Uma em ponto

É uma tarde sol forte, pessoas apressadas se esbarram a todo instante em uma rua movimentada que sofre de problemas na audição devido ao trânsito caótico que abriga. Crianças choram, mães soam, homens bebem, adolescentes vão para escola com rosto de poucos amigos, meninas de calças azuis exibem batons, maquiagens, franjas ao vento. Entre os habitantes do formigueiro é possível observar um homem, aparência jovem...ou nem tanto, alto, óculos escuros, parece gostar de tendências da moda, caminha lentamente olhando as garotas na rua, de vez em sempre é distraído por passarinhos que ensaiam um concerto nas poucas árvores que o logradouro segura pelos pés. O rapaz parece um pouco incomodado com o calor que castiga a cidade naquela tarde, resolve sentar em um banco que usa um chapéu de madeira, a situação alí é aparentemente melhor. “-Eii, cuidado!!!”, proclama uma voz rouca e quase inaudível. Uma senhora, um pouco trêmula, segura uma bengala, usa um vestido, escapulário no pescoço, alerta o rapaz que ele estava prestes a sentar em cima do brinquedo que ela havia comprado para o neto, era um terço, dentro de um potinho vermelho de vidro, parecia ser um artefato simples, nada comparado a vídeo games, ou carrinhos eletrônicos. Foi possível ver um riso envergonhado do rapaz naquele instante, o barulho da rua aumentava, os dois conversavam, mas não era possível ouvir nada mais, minutos depois surgiam risos dos dois, a senhora interroga o rapaz sobre algo, ele olha seu pulso, o sinal de trânsito fecha, no concerto dos pássaros o maestro encerra mais uma peça, -“Uma em ponto”, diz o moço. A senhora fala uma frase entre tosses repentinas, “...pressão” se ouve. Pega a bengala, o pequeno presente e sai, “Tiau, Deus lhe abençoe”. O rapaz sorri, nunca foi fã de despedidas, levanta, pega uma foto na carteira, e entra no meio da multidão. Em uma casa de outra cidade, um escritor cansado desperta no meio da noite, toma um café, vai escrever, checa as mensagens do celular, alguns “Boa noite”, ele sorri, e adormece, nunca foi fã de despedidas.