Sobre um triste
Sabe quando você olha pra si mesmo e se sente ridículo, encabulado, constrangido, cheio de vergonha, não propriamente pelo que é para si, mas para o que e impropriamente consideram você ser, apenas e tão somente pelo que consideram que você seja? Se você não entendeu, pare aqui: isto é também para você, mas você não entenderia, entende? Não, você não entende. Isto também é para você que entende..., mas não tem coragem de admitir, não aos outros, jamais: você admite para si mesmo enquanto lê o que desnuda você, o que você na verdade também é, mas ninguém (ops?) vê, você supõe. Você se vê na tela diante da qual está, fica incomodado e, depois de sair vendo amenidades anestésicas, vai pro quarto deitar-se clamando o sono salvador..., o do seu luto costumeiro e diário, ele te percebe sendo percebido, ele olha sua face de olhos baixos, por compaixão, você sabe, isto você entende, ele lhe faz companhia. Não, isto também não é para você, durma bem, descanse em paz. E agora que restaram (é, da família dos restos, entende?) somente os que entendem e admitem ser desse jeito e sentirem-se assim também, então, isto é para você: a solidão é uma família de parentes distantes, que se reconhecem quando lembram-se uns dos outros, com genes parecidos; a solidão é pátria de exilados da comunidade, dos que são (falo dessa comunidade, aqui), por demais, tantos que são, normais, maduros, equilibrados, constantes, resolvidos, tranquilos, formados até ... e tão e quase só previsíveis, insossos, aguados; de visão, paladar, audição, olfato e tato “preservados”, clientes (de clientela, diminutivamente mesmo) da oferta fácil, disponível, farta..., pessoas ovelhas velando onde pisam... Ah, mas quem disse que aqui ainda estão os heróis assim? Assim, quando você se sente incomodado, primeiro, por ser incômodo, até, então e mais, muito mais, por sentir-se incomodando, aí mesmo é que você se sente só; aí, então, você entende que os incomodados incomodam-se com seu jeito estômago de ser e, eles, os estômagos sempre dão trabalho aos intestinos... Se o seu coração pulsa e não apenas bate, se os seus pulmões brisam e ventam e não apenas respiram, se os seus olhos permeiam olhares (mesmo os mentirosos), se o seu conduzir-se hematoma ignora (não é ignora de não saber, é o ignora de “desrespeitar”) peles encobertas por protetores solar, então você é triste, muito triste, mas não menos ou mais que os demais, é apenas triste sabendo-se assim, expondo-se assim, o que não define você a apenas isto, jamais, em tempo algum, tanto menos nos momentos de sua rica e fértil tristeza. Você é triste como triste é a terra que, seca sob o sol, acolhe com resignação o que o sol, em sua natureza, dá: o morno, o quente..., a queimadura. Você é triste como a mesma terra é para a chuva, terra que é o último contato em que vemos a chuva se achegar, descansar..., até desaparecer para onde só chegam as chuvas, tardiamente, eu sei, você sabe: tempo de gestação, até que tempo das mudas – as suas – se façam vistas, atrevidas e cheias de sonhos. Você é triste como o coração que perde um amor por um imperdoável erro, sem mais haver espaço para se desculpar, e não necessariamente porque apenas você tenha errado, mas porque a pessoa a quem se ama (para sempre) sequer cogita o que feriu você, tão triste você silenciou, afinal... Você é triste quando anda pelos corredores das escolas na Escola e vê, mudo, que uns serão estudantes até se formarem, apenas; outros serão colegiais para sempre, os que nunca se formam (os que, sempre com notas irregulares, nunca se conformam). Você é triste quando compreende os que são rejeitados porque ou se penteiam ou se vestem ou, enfim, se comportam diferentemente e, apenas por issos assim, por qualquer sinal que vistas quaisquer e miopadas percebem, são motivo da chacota, do desprezo, do menosprezo, do desrespeito, da indiferença, da recusa..., da ofensa brutal que eles, os viris, e elas, as virais, oferecem tão repetidamente, tão enfadonhamente, primeiro, nas patotas infantis e adolescentes, depois nas encruzilhadas sociais, familiares, no trabalho e, quem diria, até na privacidade amorosa. Você é triste mas, não obstante, não o bastante para conseguir imaginar-se diferente do que é, trsite! Você é triste como são as árvores nas praças: é nelas que pousam os pássaros, é delas que se espera a sombra que acolhe, como você, galho e sombra que é; triste como são as velas em sua cera e pavio, disponíveis como seu triste coração que compreende a tristeza do coração alheio, ainda que, depois da oração pidonha, esses mesmos corações cometam o habitual esquecimento de deixar que você, em silêncio, queime e queime-se até o seu fim. Você é triste, sim..., mas é triste assim, francamente, decentemente, você só é triste – e tristes todos são (tanto mais os que neguem ou nem mesmo saibam)..., e ser triste assim, você e seus tristes iguais o sabem, não ser é triste, apenas. O sorriso terno de seu olhar e o abraço acolhedor de seu sorriso, dizem os feridos de passagem, são tudo onde é bom estar, especialmente quando tristes. Por isso você e seus iguais se entendem, mesmo tão longe, no tempo ou no espaço...
Jamais, em tempo ou lugar algum, você prescindirá de alguém triste, alguém que, por pouco que seja, entenda seu jeito de ser como só você é, você mesmo. E ainda que isto seja assustador, isto não é nada demais, pergunte aos tristes. E nem menos que alguém qualquer. E isto, mesmo que triste, assim é que é, para cada um.