FINALMENTE, PAZ!
Quando essa dor vai passar? Não tenho coragem de me levantar! Pra quê? Pra ter que viver tudo de novo? Preciso dar um basta nisso! Mas, antes, tenho que levantar dessa cama dura e desenrolar-me desse lençol rasgado e sujo. Os riscos na parede assemelham-se a minha alma rasgada pela tristeza e solidão. As teias de aranha no teto não tem fim. O corredor até a cozinha parece mais comprido do que o normal. Um silêncio fúnebre paira sobre o ar. Esse tugúrio fica mais feio a cada dia.
O café gelado e amargo de ontem desce por minha garganta, causando-me remorso por tê-lo bebido. No entanto, é só isso o que eu tenho. Meu espírito tíbio não dá-me ânimo para preparar outro. A algum tempo deixei de ser uma pessoa pândega. Tudo por causa dela, que não soube dar valor ao meu amor. Tornou-se uma zelote. Lembro-me das lágrimas que derramei por conta daquela bela moça. Trocou-me por outro. É difícil acreditar que o amor de minha mocidade não quer-me mais. Um sentimento me corrói por dentro. Dilacera minha alma.
Já choro lágrimas de sangue. Lágrimas de dor. E, por meio dessas lágrimas, tento confortar o inconfortável. Tento perdoar o que não pode ser perdoado. E é nessa angústia que resido a muito tempo. Não tenho ninguém que queira esse fardo. Tenho um coração que aprendeu a bater sozinho. Um coração que não depende de ninguém pra nada. Um coração que era escarlate, mas que hoje predomina a escuridão. Um coração que enfrenta uma “missão impossível”: ser feliz.
Oito e meia. Tenho que ir pro trabalho. Tenho que sentar meu traseiro naquela cadeira desconfortável e ficar horas em frente a um computador lendo e relendo arquivos chatos e entediantes. E, ainda por cima, sou obrigado a ouvir um chefe insuportável falando o tempo todo. Sinto vontade de pedir demissão. Toda via, não posso. Preciso desse emprego, por enquanto. E essa secretária na mesa ao lado. Sempre sorrindo, feliz! Não vejo mais motivos para sorrir. Não vejo motivos para ser alegre. Minha alegria deixou-me, sem ao menos dizer “adeus”. Foi embora numa estrada estreita e apertada.
Sete horas. A noite finalmente chegou, com sua escuridão sombria. Preciso voltar pro meu mausoléu. Voltar para aquele tugúrio. Mas, antes de chegar ao meu destino, vejo mais uma vez um velho pedindo esmolas. Um mendigo que diz ter uma vida infeliz. Entretanto, ele não faz ideia do que é ser infeliz. Do que é ser abandonado. Do que é ser esquecido.
Finalmente cheguei! Deposito meu paletó em cima da poltrona. Tenho que ir à cozinha mais uma vez. É lá que encontrarei meu livramento. Pego um objeto na primeira gaveta. Uma faca. Que bela lâmina! Acho que é aqui que está meu livramento. Finalmente, vou dormir em paz. Finalmente, não vou mais ver essa sociedade nojenta. Esse monstro a quem chamam de “ser humano”. Finalmente, vou ser feliz! Finalmente, vou descansar!