HISTÓRIAS NO REINO DE LEPRECHUNG - CAP.1

Era um dos reinos mais antigos do leste europeu, com o poder passando de pai para filho (ou filha) há 740 anos. Com área territorial pouco maior do que Mônaco, 2,5 km2, Leprechung vivia em paz e conseguia superar seus problemas com tranquilidade, vivendo basicamente da produção de uvas Zinfadel e do vinho delicioso que era exportado principalmente para a Itália. Até que um dia, durante o almoço no Salão Dourado, a princesa Grannie disse para seus pais em tom solene:

- Quero morar com a Philinye.

Philinye era a filha da babá que cuidou de Grannie desde que nasceu. Menina linda, beirando os 20 anos, tinha se tornado mais do que a melhor amiga da princesa. Eram amantes desde o início da adolescência, segredo guardado s sete chaves pelas duas até aquele momento.

O rei Miggree IV se engasgou com a coxa de faisão que devorava com a mesma volúpia de quem está há vários dias sem botar qualquer alimento na boca. Teve que ser socorrido pela rainha Sontreg III que bateu forte nas suas costas até ele conseguir expelir tudo que estava entalado na garganta.

- Como assim, morar com a Philnye? - berrou o rei - você é herdeira deste reino e não pode simplesmente abandonar este palácio para ir viver com a filha da sua babá? Não vai me dizer que...

Nesta hora caiu a ficha na cabeça do gordo monarca que se deu conta do escândalo que seria para os reinos vizinhos a história da sua filha vivendo com outra mulher. O rei sempre viu as duas juntas brincando, trocando confidências, pareciam amigas que sempre se deram bem. Nunca pensou que havia algo além de amizade unindo-as de alguma forma. Mas havia, e era algo que não dava mais para esconder.

- Pense bem, minha filha, nas consequências disso. Você é primeira na linha de sucessão do seu pai - contestou a rainha - e algo assim vai produzir a maior reviravolta no nosso reino, que é bem conservador. A maioria dos nossos súditos são pessoas simples, que vivem no campo, e que não vão aceitar ter uma rainha vivendo com outra mulher, ainda mais sendo a filha da babá.

Mas Grannie estava irredutível. Foram anos e anos escondendo de todos sua paixão por Phylnye e agora não queria mais alimentar aquela farsa. Sabia que o sonho de seus pais era que se apaixonasse por algum príncipe de reino vizinho, mas depois de conhecer todos não teve dúvidas que se tratavam de uns boçais, que não tinham assunto para conversa e, pasme, mal sabiam beijar. Neste quesito, sua eleita era imbatível. Não só beijava magistralmente como conhecia os segredos e mistérios do seu corpo com seus mais minúsculos detalhes. Quando estavam juntas e deixavam o instinto sair da ribalta com todo seu furor, viviam loucuras de prazer intraduzíveis. Lembra bem naquela tarde fria de outono, quando brincavam de pega-pega no jardins do palácio e Phylnye a olhou de um jeito que jamais esqueceu. Seus olhos brilhavam mais que todos os sóis do universo juntos e quando se abraçaram e se beijaram pela primeira vez, tudo mudou na vida de Grannie. Durante 11 anos mantiveram as aparências, cumprindo o pacto feito naquela tarde de que ninguém poderia saber daquilo. Até que chegou o dia em que a princesa resolveu romper o acordo com a secreta amante e fazer a revelação bombástica para seus pais. Estava pronta para qualquer reação, desde ficar no calabouço até o fim de seus dias até ser jogada no fosso dos jacarés.

O rei já tinha superado o engasgo com a coxa do faisão e ficou parado por alguns instantes com os olhos fechados, como se estivesse organizando seus pensamentos para tomar a decisão que aquela revelação exigia. A rainha compreendia o que tudo aquilo representava para Miggree I, que sempre defendeu a estrutura familiar como o pilar para que pudessem reinar da melhor forma.

Foram alguns poucos minutos de silêncio que pareceram milênios. Então o rei abriu os olhos, respirou fundo para proferir seu veredicto.

- Também tenho um segredo que venho guardando há mais de 45 anos de vocês duas e isso não tem sido nada fácil para mim. Eu e o eunuco Tobby também somos amantes há muito tempo. Sua aparência frágil, desengonçada até, fez brotar em mim um sentimento inicialmente de pena pela sua condição de eunuco, mas isso foi se transformando dia após dia e acabou virando uma paixão arrebatadora. Nos amamos com absoluta dignidade, fazendo o maior esforço para que ninguém percebesse. Mas não pensem que isto foi fácil. Viver fingindo algo tão real nas nossas vidas foi um desafio cruel, ainda mais para um rei que é exemplo e referência para seus súditos - desabafou o rei, que desandou a chorar feito criança.

A rainha ficou pasma e a princesa mais ainda. Podia imaginar tudo nessa vida, menos que seu pai tivesse um caso de tantos anos com o eunuco, justo com aquele eunuco que parecia tão frágil e inofensivo...

Esta história tem vários finais possíveis. O que escolhi foi o rei, o eunuco, a Grannie e a Philinye abandonando o castelo naquela mesma noite para irem morar numa casinha que ficava numa floresta do reino vizinho e lá recomeçarem suas vidas, constituindo assim uma nova família e passando a viver felizes para sempre, produzindo uvas Zinfadel e um vinho tão saboroso que pessoas percorriam centenas de quilômetros só para levar uma garrafa.

A versão oficial para o sumiço dos quatro de uma hora para a outra é que foram contaminados por vírus altamente letal e que precisariam ficar isolados por longo tempo para não passarem para os demais moradores do reino.

A rainha assumiu o trono interinamente e foi tão melhor na gestão dos assuntos cotidianos de Leprechung que depois de alguns anos ninguém mais perguntava do rei ou da princesa.

Ela de vez em quando pega um cavalo e vai secretamente até aquele reino vizinho para ver como estão vivendo o rei e sua filha com os respectivos eleitos.

O reencontro de todos é ótimo, regado pelo melhor vinho produzido na região.

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Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 22/04/2016
Reeditado em 25/04/2016
Código do texto: T5612507
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