Náuseas
Chamo por minha musa, mas ela não me responde. Grito pela inspiração e ela desapareceu. O aedos tornou-se um inválido perante aos sopros divinais. A angústia se foi, assim como a vontade de viver. Cercado pela podridão os versos são pontos sem arremate. A prosa se tornou vazia, o mundo já não me desperta nada.
Conheci os clássicos, li os poetas e colecionei romances, que, a cada dia, tornam-me menos satisfeito com tudo.
Vi Van Gogh lamber o pincel e escarrar os girassóis, sentei-me no piano ao lado de Ludwig e frui das notas dispersas no ar. Conheci a intolerância que impugna Voltaire, contestei a autonegação hegeliana. Não quis ser a ave de Minerva. Bravejei contra a metafísica de Kant. Amanheci com Aquiles e despertei com Nestor. Ao léu, contemplei a rosa perfurando o afasto e ergui gládios contra a nossa atual situação.
Hoje, talvez, o labirinto do Fauno pareça-me a melhor saída, encontrar a besta furiosa expelindo um macio e quente ar de suas ventas. Os Aqueus temeram o abandono do filho de Peleu, o Atrita, em que repousava a celeste coroa, sonhou com sua partida das terras de Príamo. Os heróis ficaram atados em suas naus e, pouco a pouco, se jogam em formações rochosas. A muralha caiu, Odisseu atirou o filho de Heitor do penhasco, o recém-nascido nem ao menos chorou.
A beleza em que repousava. Nossos tempos foram lentamente triturados pelo moinho do tempo, a cada volta do relógio tornamo-nos mais animais e regressemos aos tempos perdidos. Poesia, música e arte para onde foram? Navegas em turbulentas águas o intelecto humano, sapiens já não temos razão de sermos, a pobreza intelectual espraia-se por corpos vazios, os ignorantes são os sábios, os sábios são ignorantes. No homem volta e revolta a dor de ter perdido sua essência. Maquinário pesado aliena-nos de tudo que o espírito prove.
Maldito sejais vós ,homens, que desconhecestes a glória dos tempos passados, negando todos os séculos de conquistas imateriais.
Tudo fora transformado em algumas cédulas de papel sem valor. Úlcera das gerações descontentes, o ser fragmentado desconhece o seu são ser, o movimento congelou-se nos ventos frios do Capital. Os best-sellers inundam as bibliotecas, a tolice tornou-se sistêmica e seocupa em degradar as mentes.
Que sejas possíveis às saídas do tártaro, que não olhemos para trás, mas somente para o horizonte, de onde se ergue a divinal aurora. Os tempos são de fezes, o que nos restou, além de nos empanturrarmos de comida venenosa e bebidas com excessos de sacarose. Marchemos sobre os corpos dos heróis, pisemos nos estandartes de nossos predecessores, criamos novos ídolos baratos e industrializados. A terra dominada pelo conhecimento resplandece sobre o signo de uma eterna noite.
Passaremos noites vazias, lamentaremos os dias, gozaremos da ferida pútrida. Bebo sangue de cordeiro, pois de sangue o cordeiro é feito. Já não me lembro de ser aquela criança que, ainda, mantinha um sorriso no rosto. Há muito ele se esvaiu, as marcas dos anos riscam-me, destroem minha alma e lentamente jogam-me no foço das causas perdidas.
Não pretendo ser lembrado, desejo o descanso e mais nada. O mundo podre não cabe em meu ser, assim como eu não o caibo. Somos a contradição axiológica, fui ontem mundo, hoje sou seu eterno não, lamento por nada lhe oferecer, já que ele nada me oferece. Somos escravos dos imperativos dos poderosos donos.
Abra uma cova, restitua-me a terra, dei de comer aos vermes, que cancros brotem em meu corpo, ele não me é nada. O que mais tenho de precioso ninguém pode arrancar-me. Joguem as gloriosas páginas escritas sobre meu caixão, digam-me estúpido és tu, pobre soberbo, e como um espelho refletirá suas palavras. Não quis riqueza, amei somente uma mulher, não tive filhos, meu único legado foi dor e agonia. Leões tenho presos aos calcanhares, arrasto-lhes por onde vou, aos loucos deixo o conforto; aos ébrios, lego-lhes a convulsão de ideias; a todos entrego meu corpo, porque minha alma só tens uma majestade, ela é só minha.
Homens que desconhecem o real significado da moral, a propagam em nome de outros, escravos que aceitam o chicote. Não posso suporta a contrária realização dos homens, sinto a chicotada por eles e meu couro fere, abre fissuras, que estão registradas em meu espirito. Não tive o dom das palavras, sou fruto de meu próprio tempo, as linhas tortas a cima, são somente o mostro querendo sair e eu estou lhe prendendo nesse papel.