A BEATIFICAÇÃO DE ANTONI GAUDI
Gaudí nasceu numa localidade costeira da Catalunha. De origens humildes, era filho de um latoeiro que iria viver com ele no fim da vida, acompanhado de uma sobrinha, nunca tendo casado. Mostrou desde cedo interesse pela arquitetura, tendo ido estudar em 1869 para Barcelona, então o centro político e intelectual da Catalunha, sendo também a cidade a mais moderna de Espanha. Só acabou o curso oito anos mais tarde, tendo os estudos sido interrompidos pelo serviço militar e outras atividades intermitentes. Ignorado durante os anos 20 e 30 do século XX, quando o estilo internacional era o estilo arquitetônico dominante, foi redescoberto nos anos 60, sendo reverenciado tanto por profissionais como pelo público em geral, devido à sua imaginação transbordante. A avaliação do trabalho arquitetônico de Gaudí é notável pela sua escala de formas, texturas, e policromia, e pela maneira livre e expressiva como estes elementos da sua arte se conjugam. A geometria complexa de um edifício de Gaudí coincide com a sua estrutura arquitetônica em que o todo, incluindo a sua fachada, dá à aparência de ser um objeto natural conformando-se completamente com as leis da natureza. Tal sentido da unidade total informou também a vida de Gaudí, já que a sua vida pessoal e profissional eram indistinguíveis.
Uma campanha para tornar Gaudí um santo foi lançada há mais de 20 anos, quando o padre José Manuel Almuzara sugeriu que o arquiteto catalão seria um bom candidato à beatificação - o que com freqüência é um passo rumo à santificação.
Almuzara formou a Associação pela Beatificação de Antoní Gaudí e começou a trabalhar para reunir a documentação para que seu nome fosse considerado pelo Vaticano.
Um dos documentos-chave é sua biografia, escrita pelo jornalista Josep Maria Tarragona.
Tarragona diz que ter criado a Sagrada Família não é algo que necessariamente qualifique o arquiteto à beatificação.
"Se usarmos esta lógica, teríamos que beatificar Michelangelo e Mozart", afirma.
"A questão é que Gaudí foi um cristão exemplar. Sua vida foi a vida de um santo."
A justificativa, afirma a associação, está em sua devoção à arquitetura. Gaudí completou muitas construções importantes por toda a Espanha, a maior parte delas localizadas em Barcelona. Mas é sua devoção a uma edificação específica, que veio a consumi-lo por toda a vida, que realmente interessa a igreja. A indefinível Sagrada Família é sem dúvida uma das construções mais famosas do mundo — em boa parte conhecida por estar em construção desde 1882, sem previsão de conclusão.
Apelidado de “Arquiteto de Deus” muito antes da campanha de beatificação, Gaudí foi, segundo diversas fontes, uma pessoa extremamente espiritualizada. Nascido em 1852, Gaudí encontrou inspiração nas forças da natureza desde que começou a trabalhar com seu pai, um ferreiro. Ele nunca se casou fato que muitos apontam como prova de que ele escolheu viver como um homem santo. Aos 31 anos, ele começou a trabalhar no projeto da Sagrada Família, que monopolizou, lentamente, o resto da sua carreira profissional. Ele recusou qualquer tipo de encomenda nos últimos 10 anos de sua vida, eventualmente abrindo mão de suas posses materiais e se mudando para uma pequena oficina localizada na basílica. Ele morreu em 1926, aos 73 anos, algumas semanas depois de ser atropelado por um bonde.
O processo de beatificação de Antoni Gaudí foi iniciado em 1992, quando um grupo de figuras religiosas, arquitetos, advogados canônicos e outros seguidores começaram a campanha, se lançando em uma missão que consiste basicamente em montanhas de papelada burocráticas. Em 1998, os bispos locais aprovaram a continuidade da campanha, e em 2003, o processo foi aberto oficialmente no Vaticano. A campanha publicou uma cartilha que resume a vida e obra de Gaudí, e documenta o processo de beatificação até o momento.
Como é de se esperar, a santidade, ou a canonização, não ocorre de um dia para o outro. Na Igreja Católica, o processo tem três etapas: na primeira a pessoa é nomeada Venerável, depois Abençoada e por fim, Santa. O nível de bênção (beatificação) requer evidências de um milagre. Para alcançar a santidade (canonização), a igreja precisa de provas de que a pessoa em questão já operou pelo menos dois milagres. (Mártires — aqueles que doam suas vidas à igreja — só precisam de um milagre, o que faz muito sentido.)
O processo de provar milagres é árduo. “Não é a parte mais difícil do processo, mas sim a mais trabalhosa, porque o Vaticano é rígido e exige a avaliação de especialistas para afirmar que o milagre não tem nenhuma explicação científica”, diz González-Cremona. O Vaticano possui um grupo de advogados e especialistas em medicina cujo trabalho é analisar o milagre e determinar se há ou não alguma base científica que justifique seu acontecimento. Como podemos imaginar, com o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, provar milagres tem ficado cada vez mais difícil. Madre Teresa foi beatificada em 2003, mas seu segundo milagre ainda não foi confirmado, o que significa que ela (ainda) não é uma santa. Além do mais, a igreja tem sido criticada quanto à proeminência de milagres médicos — muitas pedras nos rins desaparecendo — e quanto a ausência de outros tipos de milagres.
No caso de Gaudí, a associação tem se ocupado em acumular centenas de testemunhos que poderão ser oferecidos ao Vaticano como exemplos de milagres. De acordo com os documentos que foram dados, esses testemunhos são histórias de pessoas que rezaram para Gaudí pedindo ajuda para problemas que vão de desemprego, à inspiração artística, passando por problemas de saúde — e foram atendidos.
Tome como exemplo a história de P. José Lino Yáñez, um turista de Santiago, que escreveu esse relato em 2005:
“Um ano atrás, Barcelona se chocou com um acidente de metrô. Eu estava participando de uma série de missas nas catacumbas e rezando sobre o túmulo de Gaudí… Estava concentrado em ler o panfleto sobre Gaudí quando o tal acidente ocorreu. Eu fui lançado do meu assento e caí no meio do vagão… Esse acidente poderia me trazer consequência gravíssimas (eu tenho 69 anos). Não sofri nenhum arranhão. Um ano depois, eu gostaria de agradecer ao Servo Catalão de Deus por sua proteção.”
O estudo da obra de Gaudí levou alguns arquitetos e artistas a se converterem ao Catolicismo, de acordo com a documentação. Kenji Imai, um arquiteto japonês, supostamente se converteu ao Catolicismo após visitar a Sagrada Família. Um escultor chamado Etsuro Sotoo se mudou para Barcelona para trabalhar na basílica e se converteu do Xintoísmo para o Catolicismo — um argumento convincente a favor do poder que o trabalho do arquiteto tem sobre as pessoas.
Conforme a história da beatificação de Gaudí se espalhava pelos blogs de arquitetura, muitos blogueiros não puderam evitar a piadinha óbvia sobre a Sagrada Família, que talvez seja completada no centenário da morte de Gaudí, em 2026: se Gaudí pode fazer milagres, porque a basílica não está pronta?
A eterna construção da Sagrada Família é considerada mais uma prova de que Gaudí foi guiado por uma mão celestial. Uma das razões práticas que explica por que a Sagrada Família ainda não foi concluída é o seu status de catedral expiatória, disse González-Cremona. Ela deve ser construída com doações dos fiéis, e não com financiamento do governo, algo que é amplamente criticado pelo público.
Mas comentários feitos pelo próprio Gaudí em vida parecem mostrar que ele estava trabalhando segundo um cronograma divino. “Quando perguntavam para Gaudí quando a construção do templo expiatório da Sagrada Família seria concluída, ele respondia: ‘Meu cliente não tem pressa'”, diz José Almuzara Pérez, arquiteto e presidente da associação.
Apesar de existirem boatos na mídia local de que a beatificação de Gaudí ocorrerá no próximo ano, Almuzara Pérez prefere assumir uma postura similar a do próprio Arquiteto de Deus perante o assunto da beatificação de Gaudí. “Apenas Deus sabe quando o processo de beatificação de Antoni Gaudí chegará ao fim”, ele diz. “Como Gaudí, queremos trabalhar sem pressa, estudando profundamente seu material biográfico, os testemunhos e os escritos. Nós não temos uma previsão. Quem pode calcular e prever um milagre?”
(Obs: escritório de Gaudi junto a sua obra em Barcelonafoto... Arquivo pesoal março de 2015)
Gaudí nasceu numa localidade costeira da Catalunha. De origens humildes, era filho de um latoeiro que iria viver com ele no fim da vida, acompanhado de uma sobrinha, nunca tendo casado. Mostrou desde cedo interesse pela arquitetura, tendo ido estudar em 1869 para Barcelona, então o centro político e intelectual da Catalunha, sendo também a cidade a mais moderna de Espanha. Só acabou o curso oito anos mais tarde, tendo os estudos sido interrompidos pelo serviço militar e outras atividades intermitentes. Ignorado durante os anos 20 e 30 do século XX, quando o estilo internacional era o estilo arquitetônico dominante, foi redescoberto nos anos 60, sendo reverenciado tanto por profissionais como pelo público em geral, devido à sua imaginação transbordante. A avaliação do trabalho arquitetônico de Gaudí é notável pela sua escala de formas, texturas, e policromia, e pela maneira livre e expressiva como estes elementos da sua arte se conjugam. A geometria complexa de um edifício de Gaudí coincide com a sua estrutura arquitetônica em que o todo, incluindo a sua fachada, dá à aparência de ser um objeto natural conformando-se completamente com as leis da natureza. Tal sentido da unidade total informou também a vida de Gaudí, já que a sua vida pessoal e profissional eram indistinguíveis.
Uma campanha para tornar Gaudí um santo foi lançada há mais de 20 anos, quando o padre José Manuel Almuzara sugeriu que o arquiteto catalão seria um bom candidato à beatificação - o que com freqüência é um passo rumo à santificação.
Almuzara formou a Associação pela Beatificação de Antoní Gaudí e começou a trabalhar para reunir a documentação para que seu nome fosse considerado pelo Vaticano.
Um dos documentos-chave é sua biografia, escrita pelo jornalista Josep Maria Tarragona.
Tarragona diz que ter criado a Sagrada Família não é algo que necessariamente qualifique o arquiteto à beatificação.
"Se usarmos esta lógica, teríamos que beatificar Michelangelo e Mozart", afirma.
"A questão é que Gaudí foi um cristão exemplar. Sua vida foi a vida de um santo."
A justificativa, afirma a associação, está em sua devoção à arquitetura. Gaudí completou muitas construções importantes por toda a Espanha, a maior parte delas localizadas em Barcelona. Mas é sua devoção a uma edificação específica, que veio a consumi-lo por toda a vida, que realmente interessa a igreja. A indefinível Sagrada Família é sem dúvida uma das construções mais famosas do mundo — em boa parte conhecida por estar em construção desde 1882, sem previsão de conclusão.
Apelidado de “Arquiteto de Deus” muito antes da campanha de beatificação, Gaudí foi, segundo diversas fontes, uma pessoa extremamente espiritualizada. Nascido em 1852, Gaudí encontrou inspiração nas forças da natureza desde que começou a trabalhar com seu pai, um ferreiro. Ele nunca se casou fato que muitos apontam como prova de que ele escolheu viver como um homem santo. Aos 31 anos, ele começou a trabalhar no projeto da Sagrada Família, que monopolizou, lentamente, o resto da sua carreira profissional. Ele recusou qualquer tipo de encomenda nos últimos 10 anos de sua vida, eventualmente abrindo mão de suas posses materiais e se mudando para uma pequena oficina localizada na basílica. Ele morreu em 1926, aos 73 anos, algumas semanas depois de ser atropelado por um bonde.
O processo de beatificação de Antoni Gaudí foi iniciado em 1992, quando um grupo de figuras religiosas, arquitetos, advogados canônicos e outros seguidores começaram a campanha, se lançando em uma missão que consiste basicamente em montanhas de papelada burocráticas. Em 1998, os bispos locais aprovaram a continuidade da campanha, e em 2003, o processo foi aberto oficialmente no Vaticano. A campanha publicou uma cartilha que resume a vida e obra de Gaudí, e documenta o processo de beatificação até o momento.
Como é de se esperar, a santidade, ou a canonização, não ocorre de um dia para o outro. Na Igreja Católica, o processo tem três etapas: na primeira a pessoa é nomeada Venerável, depois Abençoada e por fim, Santa. O nível de bênção (beatificação) requer evidências de um milagre. Para alcançar a santidade (canonização), a igreja precisa de provas de que a pessoa em questão já operou pelo menos dois milagres. (Mártires — aqueles que doam suas vidas à igreja — só precisam de um milagre, o que faz muito sentido.)
O processo de provar milagres é árduo. “Não é a parte mais difícil do processo, mas sim a mais trabalhosa, porque o Vaticano é rígido e exige a avaliação de especialistas para afirmar que o milagre não tem nenhuma explicação científica”, diz González-Cremona. O Vaticano possui um grupo de advogados e especialistas em medicina cujo trabalho é analisar o milagre e determinar se há ou não alguma base científica que justifique seu acontecimento. Como podemos imaginar, com o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, provar milagres tem ficado cada vez mais difícil. Madre Teresa foi beatificada em 2003, mas seu segundo milagre ainda não foi confirmado, o que significa que ela (ainda) não é uma santa. Além do mais, a igreja tem sido criticada quanto à proeminência de milagres médicos — muitas pedras nos rins desaparecendo — e quanto a ausência de outros tipos de milagres.
No caso de Gaudí, a associação tem se ocupado em acumular centenas de testemunhos que poderão ser oferecidos ao Vaticano como exemplos de milagres. De acordo com os documentos que foram dados, esses testemunhos são histórias de pessoas que rezaram para Gaudí pedindo ajuda para problemas que vão de desemprego, à inspiração artística, passando por problemas de saúde — e foram atendidos.
Tome como exemplo a história de P. José Lino Yáñez, um turista de Santiago, que escreveu esse relato em 2005:
“Um ano atrás, Barcelona se chocou com um acidente de metrô. Eu estava participando de uma série de missas nas catacumbas e rezando sobre o túmulo de Gaudí… Estava concentrado em ler o panfleto sobre Gaudí quando o tal acidente ocorreu. Eu fui lançado do meu assento e caí no meio do vagão… Esse acidente poderia me trazer consequência gravíssimas (eu tenho 69 anos). Não sofri nenhum arranhão. Um ano depois, eu gostaria de agradecer ao Servo Catalão de Deus por sua proteção.”
O estudo da obra de Gaudí levou alguns arquitetos e artistas a se converterem ao Catolicismo, de acordo com a documentação. Kenji Imai, um arquiteto japonês, supostamente se converteu ao Catolicismo após visitar a Sagrada Família. Um escultor chamado Etsuro Sotoo se mudou para Barcelona para trabalhar na basílica e se converteu do Xintoísmo para o Catolicismo — um argumento convincente a favor do poder que o trabalho do arquiteto tem sobre as pessoas.
Conforme a história da beatificação de Gaudí se espalhava pelos blogs de arquitetura, muitos blogueiros não puderam evitar a piadinha óbvia sobre a Sagrada Família, que talvez seja completada no centenário da morte de Gaudí, em 2026: se Gaudí pode fazer milagres, porque a basílica não está pronta?
A eterna construção da Sagrada Família é considerada mais uma prova de que Gaudí foi guiado por uma mão celestial. Uma das razões práticas que explica por que a Sagrada Família ainda não foi concluída é o seu status de catedral expiatória, disse González-Cremona. Ela deve ser construída com doações dos fiéis, e não com financiamento do governo, algo que é amplamente criticado pelo público.
Mas comentários feitos pelo próprio Gaudí em vida parecem mostrar que ele estava trabalhando segundo um cronograma divino. “Quando perguntavam para Gaudí quando a construção do templo expiatório da Sagrada Família seria concluída, ele respondia: ‘Meu cliente não tem pressa'”, diz José Almuzara Pérez, arquiteto e presidente da associação.
Apesar de existirem boatos na mídia local de que a beatificação de Gaudí ocorrerá no próximo ano, Almuzara Pérez prefere assumir uma postura similar a do próprio Arquiteto de Deus perante o assunto da beatificação de Gaudí. “Apenas Deus sabe quando o processo de beatificação de Antoni Gaudí chegará ao fim”, ele diz. “Como Gaudí, queremos trabalhar sem pressa, estudando profundamente seu material biográfico, os testemunhos e os escritos. Nós não temos uma previsão. Quem pode calcular e prever um milagre?”
(Obs: escritório de Gaudi junto a sua obra em Barcelonafoto... Arquivo pesoal março de 2015)