Bom dia tristeza
Ontem você quis me pegar. Chegou mesmo antes de eu levantar. Mostrou o dia nublado; não funcionou. Tentou o metrô lotado; nem liguei; é todo dia. Estou vacinado. Mas, você é persistente. No meio do caminho, indo pela Brigadeiro, por uma maldade sua, um carro passa por uma poça d'água e me ensopa. Ah, nessa hora vi seu sorriso de satisfação, vi que sua bandeira de vitória já aparecia no mastro entre prédios e viadutos. Confesso que por pouco não cedi. Nessa hora, sem que eu tivesse notado, uma senhora bem idosa (até pensei que fosse mais uma de suas artimanhas) vem em minha direção e, com um sorriso farto e poucos dentes, me estende uma linda flor branca. Vi seu mastro sumindo, senti sua decepção.
Demorou um pouco, mas, tão logo, chego ao meu destino, você, incorporada na minha xícara de café, se joga sobre eu, e minha roupa já molhada pela água da poça, também se mancha de café. Um leve sorriso escuto atrás das orelhas. Algo como "agora sim!" adentrou nos meus ouvidos como a canto da sereia. Por razões que ninguém sabe explicar, a costureira que passava me viu e deu a notícia que a roupa que eu tinha deixado estava pronta e, tão logo eu quisesse, podia buscar. Assim fiz. Sai novinho em folha.
O dia seguiu seu rumo e você, perdida nessa cidade que a todos engole e regurgita, sentou bem a meu lado, triste e às lágrimas. Inconformada com "minha felicidade", saiu de chofre batendo os pés. Na certa foi habitar corações mais frágeis, "esse não dá!", ouvi sua voz maldosa como se uma sentença me fora anunciada. Não liguei. Terminei de fumar meu cigarro.
Com o jornal à mão, depois de cumprimentar uma amiga que passava, leio que no dia anterior fora descoberta uma quadrilha que desviava verba da merenda escolar, que uma outra, com o mesmo fim, fraudava licitações da Saúde, uma suspeita de iguais procedimentos, estava sendo investigada pela controladoria do metrô. Na mesma página, um gráfico indicava o aumento do número de moradores de rua, embora, houvesse muitos prédios abandonados, completava a matéria. Bem no canto da página, quase como um acidente, em três ou quatro linhas, uma nota sobre os privilégios dos juízes: seus auxílios moradia, carro oficial, um contingente de servidores disponibilizados somente para atende-los, etc. Essas coisas me deixaram triste, realmente triste.