SAUDADE MAGOADA
Sentada na cadeira com a tristeza esculpida na face, certamente se lembra daquele dia em que saiu de casa decidia a livrar-se daquilo que julgava ser um terrível incomodo.
Eu sofri muito, pois tinha mil esperanças de poder ser tocado e acariciado por você. De poder brincar com outras crianças.
Mas você muito jovem e bela, não quis deformar as finas graças de seu corpo, desejado pelos homens, aos quais se entregava faceira.
Você recusou a me agasalhar no morno colo. Como um anjo indefeso no corpo da mulher, tentei cercado de silêncio me defender. Gritei, supliquei, mas você não me ouviu e continuou no seu intento sem me dar chance de defesa.
A formosura do mais belo corpo é como a primavera que se vai.
Foi egoísta e continuou pensando somente em você.
Fui então brutalmente arrancado de seu ventre e meus restos acomodados num saco plástico qualquer, posteriormente dispensados na lixeira da clínica.
Conseguindo seu intento e me deixando lá, você saiu faceira.
Pois é, hoje a observo aí sentada sozinha. O outono passou e o inverno da idade chegou.
Seu sorriso é magoado feito sol gelado.
Que amargo tormento é esse seu?
O arrependimento lhe açoita a alma vazia?
Se pudesse voltar trinta anos atrás, você não teria saído naquela tarde para livrar-se do fardo inútil que julgava ter com você.
Pois é, hoje eu sou apenas a lágrima presa no canto de seus olhos sem poder cair. Sou o grito retido na garganta. Sou a saudade e o arrependimento do seu ato insano e egoísta. Eu sou o botão de flor na sua primavera, cortado antes de florescer.
Eu sou a saudade magoada do seu ser.
Sou o filho que naquela tarde, você criminosamente abortou, me privando do maior de todos os direitos.
O direito de nascer.
Que pena mamãe!