Segunda-feira, 4/1/2016
O morto que sabia amar demais
Antonio Feitosa dos Santos 
 
 
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Repentinamente a luz se apaga, houve falta de energia no prédio da repartição.

Antonio, Iza, Marta e Vera, já haviam chegado. Sentaram-se ao redor de uma mesa e começaram a conversar. Conversa vai e conversa vem, cada um expunha suas ideias, histórias e fatos ocorridos.

Vera muito reservada, até demonstrava uma certa timidez, pôs-se a narrar uma história de família. Surpreendeu-me a narrativa, e ao que parecia um terror, ela conseguiu colocar uma boa pitada de humor com sua maneira suave de falar. Com o seu jeito tímido, passeou ao verbalizar o caso.

- Eu tenho um primo, um safado, diz Vera – Antonio a interpela – Ele sabe que você o chama assim? Após um delimitado sorriso ela respondeu: - Não! O safado já morreu. Mesmo depois de escafeder-se continuou aprontando.

- Continua Vera. Falou a Iza. Ela continuou narrando – pois é o safado do Arilson era casado com minha prima, por assim ser o considerava como primo. Casou-se com a Danubia após certo tempo de encontros e desencontros; logo, tivera uma filha, Nalva, menina bonita e inteligente.

Danubia sempre foi uma mulher cheinha de corpo, nunca teve porte atlético e era descompromissada com a baixa autoestima. Tocava sua vida com bom humor e sempre comprometida com os seus haveres.

Resolveram juntos, ela e o marido, comprar um taxi. Assim o Arilson podia melhorar a renda doméstica nas horas que lhe sobravam das reformas que executava nas casas adquiridas para revendas.

Cada vez mais Arilson ia ocupando o seu tempo com a praça. O taxi era o pretexto que ele precisava para justificar o seu tempo nas ruas. Tempo esse, consumido na casa de uma namorada, uma segunda mulher.
BR>O tempo correu e certo dia Danubia descobre que o seu marido, Arilson, enrabichou-se por uma mulher. Ele já era pai de duas outras filhas, com a namorada.

Houve um tremendo bafafá. Arilson quis sair de casa, mas Danubia ponderou e lhe disse: sua filha Nalva, gosta muito de você, ela não necessita sofrer por isso, reconheça e cuide das outras duas filhas, cuide delas e fique aqui até quando possível ou até a Nalva aceitar a separação. Essas presepadas de adultos, não devem interferir na vida das crianças. Presepadas essas, no nosso caso, as suas. Arilson foi ficando e ficando até...

Numa determinada manhã, Danubia o vê arrumando suas tralhas e mesmo sem ela perguntar ele diz: estou saindo fora, vou morar com a minha outra mulher e as minhas duas filhas. Danubia vê e ouve, mas nada fala ou faz, deixando que ele se vá.

O tempo passou. Cada um tocando a sua própria vida. Danubia arranja um namorado, mais jovem é claro, novas metas, novas perspectivas. Mas sabemos que ninguém é de ferro ou nasceu para viver eternamente. Certo dia Danubia recebe a notícia que o pai de sua filha, Nalva, partiu dessa para melhor, bateu a caçoleta, morreu, escafedeu-se.

A mulher atual do Arilson não tinha como pagar para enterrar o corpo. A mãe do dê cujo, descartou a possibilidade, os parentes? Nem pensar. Sobrou! Sobrou para quem? Advinha? Mais uma vez a Danubia se viu envolvida com as trapalhadas do seu ex-marido, que nem depois de morto lhe dava sossego.

Ela contratou a funerária, comprou o caixão, arrumou as flores, imaginem flores, e também a capela para onde levaram o corpo a ser velado.

Diante mão, Danubia já sabia que a prestação do taxi, iria cair de bandeja em suas mãos. Seja o que Deus quiser disse ela.

Puseram o caixão no centro do salão; Danubia e sua filha de um lado, os parentes e amigos ao redor e do outro lado a outra e suas duas filhas. Todas vestidas de preto e chorosas. Assim transcorria o velório do Arilson. Vez por outra Danubia cerrava os dentes e emitia um som peculiar nessas últimas horas. Safado!

Uma hora antes do funeral, adentra a capela uma senhora de preto, cabelos pretos, longos e lisos, lembrando a imagem da Mortiça, da família Adans. Mira a urna mortuária e se lança sobre o féretro como um vendaval – Adilson não se vá, não me deixe seu malvado, como vou viver sem você? Logo agora que íamos nos casar, não suportarei sua ausência. Ela sacudia o caixão de um lado para o outro, sua maquiagem derretia com as lágrimas, ia breando tudo, desde a urna ao defunto.

As pessoas ficaram estáticas. Entreolhavam-se e não sabiam o que fazer. Danubia, porém, emitia o som característico. O safado tinha outra! Quem nasce para ser safado, mesmo depois de morto continuará sendo safado. Soprava por entre os dentes.

Esse filho da mãe tinha outra e ninguém sabia, vociferava ela. Safado, Safado, mil vezes safado.

Danubia sai sorrateiramente, vai até a administração do cemitério e solicita a mudança da alameda para o enterro, da melhor para a pior. Contratou outro local de difícil acesso, no canto esquerdo do Campo Santo, em um recanto íngreme e sem nenhuma árvore, que venha lhe facilitar um sombreado.

Rancor? Não. Apenas precaução. Nunca se sabe. Acontece as idas sem voltas, mas também aquelas que... Bem, vai que aconteça. Não é mesmo?

Safado... Diz Danubia por entre os dentes. 

Postado por Antonio Feitosa dos Santos
Em 4/1/2016 às 20h06 

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