Assistencialismo

A faxineira mora no Cesarão, comunidade de baixíssima renda em Santa Cruz. A patroa mora na Barra. As duas conversando no carro a caminho da casa da patroa. A faxineira recomeça, ao passarem por um supermercado:

- Minha cunhada trabalha aí no Guanabara. Também de madrugada. Mesmo serviço que eu – limpeza, faxina.

- Serviço pesado. E ainda fazer outra faxina logo depois! Como você aguenta?

- Fazer o que, né?

- Ela é esposa do seu marido?

- Não, do meu irmão?

- Ele trabalha?

- Pior que não. E bebe bastante. Têm 10 filhos!

- O quê? Todos dos dois, mesmo pai e mesma mãe?

- Isso aí. Ela só vive tirando atestado pra faltar. Cada criança a 30 ou R$ 40, de repente ela chega a R$ 500 no Bolsa Família.

- Puxa, uma caminha pra cada um...

- Nada disso. Dormem lá mesmo pelo chão. Quando muito tem um cobertor, uma colcha velha.

- E a comida?

- Se tiver, comem. Se não tiver, dá no mesmo. O que salva é a merenda da escola.

- Que, aliás, as crianças têm que ir, se não, adeus Bolsa Família. Com quem ficam as crianças quando eles não estão em casa?

- Com eles mesmos, os mais velhos olhando os menores. Isso acontece também quando minha cunhada "some na poeira", como ela diz, quando vai com o marido pros bares lá por perto beber. Fazem muito isso.

Nesses casos, que não são assim tão raros em nossas favelas, não se pode falar em inclusão social a partir de programas como o Bolsa Família. Essas populações continuam desassistidas como sempre estiveram. A verba obtida pela família em casos como esse não tem o destinamento mais adequado. E as crianças são um meio de se justificar a liberação do recurso. Recurso que acaba favorecendo o aumento da prole.

Não existe preocupação por parte do governo quanto à utilização mais indicada para a verba liberada. Não basta o recurso. É preciso verificar como ele está sendo utilizado. Tal como as leis. Não basta existir lei pra tudo. É preciso haver o maior interesse na sua aplicabilidade. Que todos nós a elas estejamos sujeitos. O que obviamente não acontece. Para o favorecimento da impunidade.

Rio, 09/10/2015

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 18/12/2015
Código do texto: T5484081
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