O Perigo da Caneta!
O Perigo da Caneta!
Isso aconteceu há muito tempo. Eu ainda era uma criança, cursando o ensino primário. Estava passando férias escolares na casa de uma tia, uma fazenda bem no interior do Maranhão, quando conheci o Sebastião. Tião, para os mais chegados. Ele era um peão de fazenda, faz-tudo, pau para toda obra. Naquela ocasião ele fora contratado para capinar uma plantação de arroz. E eu, menino de cidade, via tudo como novidade, me candidatei para ajudar o Tião naquela empreitada. Depois de uma conferência, onde minha tia encheu o Tião de recomendações, fui autorizado a trabalhar, na minha primeira “juquira”, desde que voltasse ao meio-dia, no retorno do entregador da “boia”. Deram-me a menor enxada existente, ainda assim, eu mal conseguia carregá-la. Mas, além de mim, ninguém esperava que eu fizesse algo de útil mesmo, de forma que fomos trabalhar assim mesmo. Chegando lá o Tião escolheu uma moita, na beira da plantação, e colocou a cabaça d’água. Aqui ela fica sempre fresca, me disse. Começamos a lida. Por mais que eu me esforçasse, meu trabalho não rendia. A Enxada foi ficando mais pesada, até que eu não conseguia mais incomodar a erva daninha, que se recusava a desgrudar do chão. O Tião, homem feito, era um trator no trabalho. Com força, rapidez e capricho, por onde ele passava só ficavam de pé os brotos de arroz, recém-nascidos. Dava gosto ver o resultado de seu trabalho. Eu era apenas uma criança, mas aquilo estava acabando com minha autoestima, então comecei a beber água em intervalos bem curtos. A sede não era a minha motivação. Eu descansava, enquanto fingia beber água. O Tião entendeu o meu drama e antes que acabasse a água, me disse:
- Menino, senta ali naquela sombra, pode deixar que eu vou tocando o serviço! – Eu, morto de cansado, aceitei a sugestão, na hora. Sentado na sombra de uma árvore, fiquei olhando o Tião trabalhar. Seu ritmo, sua atitude na capina, era sempre a mesma. O sol, o calor parece que não o afetavam. Quando, finalmente, ele resolveu tomar um gole d’água, não resisti e perguntei:
- Tião, quem te ensinou a capinar tão bem assim? – Ele me olhou com certa surpresa, tirou o chapéu de palha da cabeça e falou, de forma solene.
- Essa é a minha caneta, desde que me entendo por gente – olhei e não vi a tal caneta.
- Caneta? Que caneta? – Ele balançou a enxada, dizendo.
- Essa aqui mesmo! A enxada é a caneta do pobre! Tanto pode dar-lhe o sustento como pode acabar com sua vida! – O Tião notou que eu não tinha entendido, e completou.
- Veja bem, com ela eu ganho a diária para sustentar a família. Mas, se eu não prestar atenção no serviço, vou acabar puxando uma cascavel para meus pés. Entendeu? – Sim, eu tinha entendido. Aliás, eu nem tinha me alertado para esse perigo. Mas o Tião acrescentou.
- Nesse tipo de serviço, lavoura brotando, não tem perigo, a cobra não tem onde se esconder. Mesmo assim tenho que ter cuidado. Posso cortar um dedo, machucar um companheiro de trabalho. A enxada, se você não souber usá-la, pode tirar sangue, ferir alguém! - eu estava impressionado com a sabedoria do Tião. Continuamos o trabalho, ele tocando o serviço, sozinho, e eu olhando. Quando ele ia tomar água, a gente “garrava” na conversa.
- Tião, o que é isso que você tem pendurado na cintura?
- É uma lima, é para afiar o corte da enxada, fica mais fácil de trabalhar!
Acho que ficamos amigos, pois a noite, depois do jantar, minha tia perguntou:
- E aí Tião, o trabalho do peãozinho vale a boia que ele come?
- Olha, esse menino Carlos – finalmente ele disse meu nome – acho que ele é franzino para o serviço pesado. Mas é bom de conversa, então, me parece que tem futuro! - Não sei se me tornei o homem que o Tião profetizara, mas confesso que nunca me esqueci daquela figura, bronzeada pelo sol, incansável, segurando sua enxada, a “caneta do pobre”, como ele a chamava. Também nunca esqueci seus ensinamentos, os cuidados com a caneta, digo, enxada. A minha caneta é o teclado do PC, e escrevo sempre preocupado em não ferir ninguém, nem a mim mesmo, afiando o texto para que ele se torne eficiente, de fácil compreensão. Graças ao Tião, sei que não devo, através de meus escritos, esgrimir minhas verdades absolutas sobre temas controversos! Elas não farão sentido para muita gente. Carlos (02/12/2015). Até a próxima.