No jardim

E lá estava ela, regando o jardim, com os pés descalços, pensando no tempo que permeara a sua vida naquela casa, na mesma rua, com as mesmas passagens, os mesmos aromas, a vista de morros verdes e a lua que sempre aparecia no mesmo lugar.

Retornou ao passado, enquanto a água respingava em seu corpo.

Seguia os conselhos de sua avó: regar o jardim sempre ao entardecer, sob pena de as plantas serem queimadas sem dó nem piedade.

Naquele momento, não queria dó nem piedade para as plantas e nem para si.

Sabia que o caminho percorrido até ali tinha sido intenso, verdadeiro, com choques elétricos que não mataram, algumas navalhas mal afiadas que feriram – mas cicatrizaram e, por outro lado, rosas desabrochadas, comidas gostosas, amores desafiadores, paixões avassaladoras e certa paz, angariada com o passar dos anos.

A mangueira d´água a seguia como cúmplice e o pensamento escorria como lágrima.

Uma brisa leve a acompanhou na finalização do trabalho, reforçando a certeza de que a vida é assim: rodeada por fatos inesperados, que devem ser relembrados, sonhados, nunca maltratados e vez ou outra jogados em um jardim ávido por água para alimentar o desejo de ver crescer esperanças e energias por um novo tempo.

(publicada no livro PROSA NA VARANDA 3 - Grêmio Literário Patrulhense - lançado em 01/12/2015)

Rosalva
Enviado por Rosalva em 03/12/2015
Reeditado em 03/12/2015
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