Sobre o novembro Azívis.
Na minha infância e adolescência em Periperi, havia um personagem fictício... Bem, eu não diria fictício, estaria mais para uma lenda urbana ou um ente do imaginário coletivo, tal lobisomem ou mula sem cabeça e tinha o mesmo efeito: Não existia, mas assombrava e era temido... Tratava-se do Doutor Dedildo Dedudo, urologista encarregado de realizar exames nos “coroas”...
O porquê de ele ser tão temido já está claro no “sobrenome” do cidadão e não precisa desenhar né? (mesmo porque seria obsceno). O fato é que seu nome era falado com uma inflexão que inspirava pavor nos meninos. Nas resenhas de sábado, se algum infeliz faltasse ao baba pra ir ao médico (ainda que fosse um ortopedista) ia ter pelo menos 20 barbados lhe zoando durante a semana seguinte, creditando ao Dr. Dedildo, mais um butuim deflorado.
Não adiantava negar nem ficar “brabo” porque a gozação piorava. Melhor era deixar o tempo passar até aparecer outra “vítima”. O fato é que se alguém foi mesmo vitimado pelo médico megadáctilo, parente do ET, nunca confessou.
Realidade ou não, minha geração cresceu assombrada com a possibilidade de fazer o malfazejo “exame de toque” e as gerações anteriores devem ter sido bem piores. É assim, na base da gozação, da desinformação e da sacanagem que os preconceitos se formam no imaginário masculino.
Dessa forma, dos vinte aos quarenta anos rezei para que a ciência avançasse rapidamente de modo a me livrar do encontro fatal com o urologista. Passei a temer os aniversários. Nesses, eu bebia na verdade para esquecer que menos um ano me separava do tenebroso pote com vaselina. Amaldiçoava os cientistas que perdiam tempo com células tronco e tolices astrofísicas - O termo “Buraco Negro” me dava crise de pânico - e outras bestagens. O espectro do Dr. Dedildo se aproximava inexorável...
O tempo, também ele inexorável e escroto, voou. E o dedo chegou na frente da ciência... Era hora de deixar essas coisas de menino de lado - eu já era um pai de família de 40 anos! - e escolher o profissional que iria executar o tenebroso “serviço” médico, confesso: Não é fácil decidir isso. Numa espécie de rebote psicológico, tudo o que me chegava tinha a ver com “uro”alguma coisa, próstata, dedo e etc. Quer dizer, umas cenas de terror mental, um troço macabrão...
Foi aí que um amigo, ignorando meu estado de angústia e confusão mental me trouxe, sem saber, a solução. Me apareceu, todo ele felicade e elogios a uma médica que havia acabado de “executar” a retaguarda de lá ele. Disse que era profissional competente e, o melhor, paciente ao limite. Me deu o cartão da criatura.
Nesse episódio, ele lavrou uma expressão que é um primor de bom humor, criatividade, escracho e sacanagem. Algo que inspira, a um só tempo, gargalhada e medo. Palavra a ser estudada pela etimologia no futuro: Disse que a médica havia feito nele uma “Raboscopia”. Palavra imediatamente incluída nos anais (lá ele) da sacanagem local.
Bem, mas voltando, se tinha que ser, que fosse uma mulher né? Além da vantagem anatômica (vantagem aqui é ser “menor” viu gente? Olha a sacanagem!) devia ser mais paciente que qualquer barbado. Paguei o cartão e liguei:
- Consultório de Drª Fulana, boa tarde! – Gente, a voz da mulher parecia a de Darth Vader!
- Boa tarde, preciso Marcar uma consulta com Drª fulana, vocês aceitam o plano tal?... – Eu falei, já todo cabreiro.
- Não! só em espécie! Dia tal, por ordem de chegada! – Trovejou a criatura, parecendo um sargento fuzileiro, mais macho do que eu.
- Tá bom, obrigado – Falei já com a voz tão fina que desconfiei até de mim mesmo... – “A porra quem vai lá” pensei ao desligar.
O fantasma do Dr. Dedildo Dedudo, dessa vez vestindo saia, me assombrava mais uma vez...
Quando relatei o acontecido, meu amigo me explicou que era a secretária a atender as ligações e que a criatura era meio agreste mesmo, mas me garantiu que a Drª fulana era espetacular. Seda pura.
Marquei a data fatídica, enfrentei meus medos - paradoxalmente falava de mim para mim: “Sou homem, caralho!” e ia firmemente tomar a dedada – E fui fazer o bendito.
A Drª Fulana era realmente um primor de cuidado e paciência com um lugar “nunca dantes navegado”.
Não tive coragem de olhar para a secretária, tive medo de sair correndo...
Não vou ser hipócrita e falar que o procedimento é agradável (pra alguns pode até ser né? Quem sabe? Tem gente que gosta até de injeção...). Mas é igual a ir ao dentista: Não é bom, mas tem que fazer e pronto.
Vocês devem estar se perguntando por que escrevo esse texto. Explico: Eu estava bebendo umas no sábado com uns amigos e sobrinhos enquanto o Santa Cruz fazia um exame de toque no Bahia (desgraçadamente de virada) em plena Fonte Sagrada.
No meio da gozação esse assunto, que sempre aparece quando se juntam dois homens e uma cerveja, surgiu e ainda me fizeram prometer que escreveria um texto estimulando os barbados a realizar o exame. Coisas do Novembro Azul e eu era o único que já tinha feito o exame. Um deles ameaçou: “Ou você escreve ou nós escrevemos”. Como já tinha sido sacaneado demais por conta do meu time. Escrevi.
Pra finalizar uns recados:
1 – Pra você que está na idade do exame: Doutor Dedildo Dedudo não existe rapaz, você já está velho pra acreditar nessas coisas, vá na fé e viva a dádiva da vida por mais tempo;
2 – Pra as companheiras dos machos de toba sagrado, que se recusam: Já ouvi falar que greve de sexo resolve tudo... Chateação logo de manhã também, eu acrescento. Quando alguém fica doente, todos sofrem, não só ele. Jogo duro com esses putos.
3 – Pra você que não tá na idade do exame: A ciência é lenta pra caralho, sacana, sua hora vai chegar. Como diria meu bom, velho e profético vô Jibóia: “Quando meus males forem velhos, os seus serão novos...”
4 – Pra todo mundo que tá aí com a cara de sacana dando risada desse texto: A gozação e a sacanagem, fazem parte e nunca vão sumir, por mais que esperneiem as patrulhas do politicamente correto. Não obstante, quem já viu alguém morrer de câncer, sabe que não tem graça nenhuma. A saúde é o bem mais caro que já recebemos ou receberemos, vamos cuidar desse presente...
“A duração de nossas vidas biológicas é incerta, o melhor tempo é quando vivemos de modo amplo. Coloque sua lucidez, alegria e energia em movimento para benefício das pessoas dessa geração e das gerações vindouras. Coloque seus olhos de amorosidade nos jovens, nas crianças, nas pessoas de todas as idades e culturas...”
Lama Padma Samtem