ela era e não era
Ela era e não era...
Um dia acordou diferente, de olhos presos na janela,
Enquanto o silêncio fazia morada ao seu redor,
Os olhos ainda enxergavam as pequenas partículas de poeira que dançavam na luz.
Ela se lembrou dos nãos e as lágrimas queimaram o rosto agora vincado por rugas. Não havia mais o que fazer.
Ela sonhará, e os olhos brilhavam, ela era a mocidade dos anos perdidos.
A juventude esplendorosa iluminava - lhe a face e lhe dava o ar aventureiro que todo adolescente teria.
A idade se fez corriqueira e vieram os primeiros desapontamentos...
" seu cabelo não deve ser cacheado, seu cabelo não deve ser liso, você deve prendê - lo, mantenha - o solto..."
A magoa se foi, mas entendeu que deveria seguir a torrente, ser igual e assim agradaria, afinal todo adolescente é controverso, e todo aquele que mantém - se rebelde sofre de desequilíbrios ou o costumeiro " é uma fase".
Ela virou adulta e agora não era apenas o cabelo que incomodava.
"Não leia esses livros, não escute essa música, não vista esse tipo de roupa, não saia com essas pessoas, arrume um trabalho melhor, escolha Medicina, História da Arte não dá futuro pra ninguém, sair do país pra que? Seu lugar é aqui. Não faça tatuagem, não pinte seu cabelo de vermelho, não escreva artigos políticos, isso ofende os outros, não estude francês e nem italiano, faça inglês..."
Ela viu seus sonhos esvaírem - se ao poucos, aceitou as regras impostas, tornou médica, mas passou 15 anos fazendo terapia e visitando o psicólogo. Deixou os textos politizados que iam a favor do povo, por teses mal contestadas de experiências que jamais seriam voltadas á população como ajuda. Casou - se com o marido que todos queriam que ela se casa - se, o advogado de renome que jamais perdia uma causa e não com o músico que realmente amava. O casamento era perfeito da porta pra fora, entre quatro paredes ele era ausente e agressivo, e ela tornou - se obsoleta e alcoólatra.
Os filhos que desejou tanto, foram para colégios no exterior, afinal a educação fora do país é melhor, e ela tinha que fazer esse sacrifício pensando no futuro, mas na sua época, aquilo era uma afronta ao seu patriotismo, falta de merecimento ou certeza de incapacidade.
Veio o divórcio, ela ficou com metade, trouxe os filhos pra perto, mas era tarde e eles viviam ocupados.
"Viu como você foi negligente? Péssima mãe, eu já sabia que ia dar nisso..."
Eram insultos e mais insultos, normas e regras que ela estava cansada de seguir, sonhos seus que haviam sido deixados de lado, olhou - se no espelho, os anos faziam - se presente, e o rosto já não era mais o mesmo.
O grande amor havia falecido á 10 anos, sozinho, em um apartamento após chegar do serviço, soube que era Engenheiro Civil, mas a bebida o havia destruído. Não tivera filhos e nem sequer esposa, não havia amores, foi o que disseram.
Ela sentiu - se culpada.
Assistiu aos filhos cometerem os mesmo erros e teve tempo de corrigi - los, eles agora eram felizes e seus netos agradeciam.
Era o fim, serviu de exemplo na sociedade, mas o preço que pagou foi os seus sonhos.
Não escreveu o simples livro de culinária que sonhou na adolescência, não dançou aquela valsa na escola, que sempre assistirá nos filmes e tiverá vontade de dançar. Não escreveu "eu te amo" nas paredes pra única pessoa em sua vida que a apoiou e agora tudo passava como um filme...
triste, oco e vazio. ela era a culpada, viveu a própria vida de acordo com o que os outros queriam...
A morte chegou, era hora de partir, e ninguém diria que ela foi feliz. e ninguém diria que ela realizou seus sonhos, e ninguém lhe usaria como exemplo de alegria e viço.
Ela sentia que era somente mais uma entre tantas, nessa máquina funesta de criar estereótipos, sua existência, agora, de nada valia...
Passamos tanto tempo nos importando com críticas que nos diminuem ou que tentam nos tornar pessoas diferentes que deixamos nossos passos no meio do caminho e sabotamos nossos sonhos, nossas verdades e nossos desejos em busca de agradar a sociedade, nossos pais, amigos e familiares. Mas no fim nenhum deles e nenhum de nós será julgado pelo o que o outro viveu, independente de suas escolhas terem sido "sugestões" de outrem.
Cabe á nós escolher aquilo que lhe faz feliz, aquilo que não te fará sentir o vazio por não ter feito.
O mundo destrói cada sonho que você alimenta e o universo só nos dá aquilo que fazemos por merecer.
Quem você vai ser no fim: a pessoa realizada que dirá que tudo valeu a pena ou aquela que vai partir se sentindo parte do nada absoluto?
Pense, o hoje pertence á você e suas escolhas são individuais, você pode aceitar a sugestão, mas só você pode decidir se quer vivê - lá ou não...