Meu coração parece...
O Professor Antônio de Oliveira preparava jovens para a admissão ao ginásio. Exigente e disciplinador, gozava de um excelente conceito junto aos esperançados pais de futuros ginasianos. Os alunos, quiçá, já não compartilhavam essa visão. Principalmente as meninas-moças, que se sentiam alvo de verdadeiros abusos verbais, quando não físicos, ou quase.
O 'quase' ia por conta da estatura e da inata doçura do Mestre, incapaz de fazer mal a uma mosca - e muito menos mal ainda a uma moça. O pavio é que vez por outra, e com que frequência, dava um curto, quando não queimava a resistência. E jovens donzelas, bem sabia o Professor, o quanto eletrizantes podiam ser elas.
Já os meninos, rapazotes alguns, poupados dos repelões, eram a razão e o coração de seus mimos. Professor, se mais ri, ou mais rima, é com amor inda por cima.
No mais, cantava feito um rouxinol, ou um Rayol, o nosso Antônio. Invariavelmente, nos seus ternos de linho, de predominante branco, era presença garantida e aplaudida nos serões e nas quermesses citadinos. Tudo sempre descambando para o romântico. Uma execução sua da "Interesseira", de mais de quarenta anos passados, ainda retine nos meus tímpanos, martelo, bigorna e estribo.
A emergência súbita de Nelson Ned na televisão, invadindo corações e mentes, deu novo vigor ao Professor, numa evidência redentora de que o que vês é a voz.
E foi a bordo de um ônibus da Cachoeirinha, lá nos Beagás de tempos atrás, que numa coincidência de nossas duas presenças atroz me foi dado ouvir, comovido, pela vez derradeira aquela voz oliveirina cantarolando o Coração Vagabundo, antes de desaparecer na noite belorizontina.