SÓ VOCÊ

Trago distante um sorriso aproximado. Acredito ser o primeiro gesto por você reparado.

Não me importam os gestos se não forem notados.

Nem me vale a importância se não tiver atenção. O seu olhar.

O tempo inventou de nos colocar impossíveis distâncias.

Impossibilidade é o fim apenas para quem não acredita.

Mas quem sente confia. Por isso, você nem percebe, eu andei saltado as horas, às vezes adiante, outras eu volto. E retornei tantas vezes uns vinte anos. Quando, estranhamente, eu não me via.

Ocorre que me lembro das coisas chamativas ocorridas há mais de vinte anos. A queda do Muro de Berlim, o nascer da internet, os apelos do Papa João Paulo, o último suspiro de Drummond. Lembro como se ainda os tivesse vivendo.

Só que retorno e não me encontro. Talvez o tempo apenas me valha quando você está nele. Talvez o sentido me aponte apenas quando você mira. Talvez seja ar somente quando você respira. Tentei chegar antes, mas o mundo me colocou além. Que saudade do abril de noventa e cinco! Lembro-me que já estive por lá, e se não pudesse lembrar, eu dispensaria a memória: não preciso mais dela!

Vamos juntar os nossos livros? Vamos misturar as nossas receitas? Vamos colocar os nossos ingredientes nos pratos da vida, e da vida fazermos banquete? Ou ainda, se a simplicidade calhar, talvez piqueniques? Pois não haverá café se não for de manhã com você, pois senão nem existe manhã.

Apenas me importa você. Ajustei a vida para que você se encaixe nela, e permaneço nos arranjos para que o encaixe se amalgame, e que você não possa sentir-se sem que antes me sinta, e que você não possa ter saudade que não seja da minha presença, e que nas horas do apoio, seja eu, apenas a mim, e apenas a mim, a sua segurança. Digo que é amor, sei que você desconfia. Afinal, o mundo que não entrega mais nada nos acostuma a temer. E assim, tão desacostumado, insisto em querer lhe deixar em paz, portanto projeto a nossa vida, já que não vejo paz sem que as nossas mãos, ainda que estendidas, se toquem. Deixa-la em paz é não deixa-la, mas servi-la de esteio, de equilíbrio, de amor e de sonhos.

Por você eu só-rio. Permanentemente eu invento cotidianos. Filmes e jantas, passeios e histórias, gargalhos e sonhos. Aqui tem um ombro com o seu nome grafado. Nada nele está escrito, mas só você pode traduzi-lo. Passamos a ver coisas que somente nós percebemos. Aquele segredo que nos torna superiores quando os outros estão em nossa volta. Aquela sensação tão gostosa de que poucas coisas passam por despercebidas. Caso seja possível, salvaremos a todos os bichinhos. Fundaremos uma ONG. Faremos projeto de lei: o Ministério dos Animais! Apelaremos para as cortes supremas contra quem malfada o caminho dos filhotinhos!

Passei a desejar as coisas que você deseja como fossem natas. Passei a insistir que se encante por mim. Passei a chamar a atenção, a declarar em público, a cortar os meus itinerários confortáveis apenas para que não falte momento sem que você não me perceba. Por sempre trarei um sorriso aproximado. Que ele se aproxime tanto a colar um sorriso definitivo em seu rosto. E que quando, você só-rir – para sempre –, eu possa me dar por realizado e aprenda a demonstrar que o que sinto só vale se for, devidamente, mostrado. Ou vivido.