SIM, AINDA ESCREVO CARTAS
"Ainda indeciso e emocionado, tomo da pena e dedico, para ti, estas mal traçadas linhas”.
Era assim que muitos de nós começávamos a escrever nossas cartas, ou simples bilhetes, para aquelas que, desejávamos, viessem a ser nossas namoradas.
Mas, afinal o que era “pena”? Não, não era o substantivo e nem do verbo penar. Pena era uma hastezinha de metal colocada numa madeira roliça, maior um pouco do que um lápis. Formava-se assim uma caneta. Molhava-se essa caneta num recipiente de vidro colocado na carteira escolar para escrevermos no caderno de caligrafia, devidamente encapado e etiquetado, onde era identificado o grupo escolar, o nome do aluno e seu ano de série. Para evitar os nem sempre evitáveis borrões, usávamos o mata-borrão e o limpa penas. Estes eram feitos com retalhinhos de tecidos multicores, caprichosa e carinhosamente, pelas mãos das nossas dedicadas mães.
Detalhe: somente escrevíamos à tinta no terceiro ano do então chamado primário. Pelo menos era assim lá no Grupo Escolar Pedro II, na rua Martha, na Barra Funda, São Paulo, em meados da segunda metade do século XX.
É claro, já existiam então as chamadas canetas tinteiro. Mas essas estavam nas mãos dos adultos, de alguns alunos também, embora fossem aqueles que moravam do outro lado da avenida, no bairro das Perdizes. O modelo mais conhecido e cobiçado era a “Parker 51”. Algumas pessoas, diziam, tinham-na com a pena folheada a ouro. Eu nunca vi.
Na adolescência, e já trabalhando, ficou comum escrevermos à tinta. Mas aí chegaram as esferográficas, muito mais práticas e de custo menor. As primeiras, no entanto, com o calor vazavam e manchavam a camisa.
Na mesma época, iniciávamos o curso de datilografia. As enormes e pesadas Remington Rand, Underwood, Royal até que nos assustaram no início. As lições eram, sobretudo, copiando... cartas. Não de amor, mas comerciais. Formais, documentais, requerimentos, memorandos. Começavam com “Prezados Senhores” e finalizam com “Agradecidos, firmamo-nos, Cordialmente ou Atenciosamente”, entre outros modelos. Havia um, estranhíssimo, que dizia: “Amos., Atos., Obdos,”. Até hoje, não sei o que queria dizer. Ou não me lembro. Mas conclui o curso. Senão com louvor, mas fui um bom datilografo.
Com a maquina de escrever tudo ficou mais fácil. E elas foram evoluindo, ficando mais leves. Hermes, Olympia, Adler; ah! e a “minha” Olivetti Lexikon, lá no quinto andar do prédio da Folha de São Paulo? Que saudades! Ou seriam saudades dos meus vinte anos?
A última que usei, antes do computador, foi a IBM, elétrica, de esfera, com um dispositivo corretor. Passei também pelas máquinas de mecanografia, mecânicas e eletro mecânicas.
Sim ainda escrevo. Não mais com a pena, nem com a caneta tinteiro ou esferográfica. Também não preciso pegar o bonde e ir até o Correio, lá na praça do mesmo nome, para enviá-las. Uso o e-mail, as redes sociais. Nem sempre as envio. Aliás, a maioria não envio. Deixo na “nuvem”.
Mas escrevo, algumas, poucas linhas, ainda que mal traçadas, como estas. Para amigos, familiares, de sangue ou não, para os do coração.
Para as namoradas, ainda esperadas, mas que não mais virão.
Para mim mesmo.
Para meus filhos.
Mas especialmente para meus netos.
Por mim e por todos os avós.
∞
sar/med/jdy/sp
inverno/2015