Invasão de Privacidade
Fico me perguntando por que uma lata de refrigerante tem que ter o nome de pessoas. Isso mesmo, de pessoas! Sinto aflição ao desejar ardentemente matar a sede, com esse já não tão saboroso líquido, isso porque dou de cara com nomes enfileirados. Os nomes se sobressaem ao refrigerante. Pelo menos pra mim, que só consigo ver o tal do “Walter” da lata quase que materializado a meu lado. Pior ainda, nem é só ao lado. Esse desconhecido torna-se um invasor de privacidade! Encosto a lata na minha boca e ao colocá-la de volta sobre a mesa vejo o nome “Walter”. Já não é mais um momento meu, há um invasor. Era para ser meu instante de prazer, mas já que o “Walter” continuará nele, então o jeito é refletir sobre a situação. Começo a pensar que a situação poderia ser bem pior, imagine se o nome na lata fosse de alguém que teria me prejudicado um dia. Por exemplo, alguma Eva ou Maria. É apenas um exemplo. Estaria eu ali, em plena tarde de verão, um cenário lindo, um astral perfeito, uma sede da tal bebida e de repente a lata com o nome dela na minha boca. Seria difícil evitar que a tarde ficasse bem ruim. Aquele sol lindo ia dar lugar ao “Maria”, meu desafeto. Eu me lembraria das coisas ruins que ela me fez passar, talvez conforme a gravidade, perderia até o sorriso. Mas, pensando bem poderia ser até pior, caso fosse um momento a dois, ainda que em um belo fim de tarde, e na lata dele estivesse o nome da ex-namorada. Evidentemente pelo tamanho dos nomes nessas latas seria difícil para o casal ignorá-lo. Então já não seríamos apenas eu e meu namorado, felizes bebendo um refrigerante em um fim de tarde. Seríamos eu, ele e as lembranças da ex-namorada dele. Até pensei que na falta de latas sem nomes, melhor seria que eu procurasse por uma com o meu mesmo. No entanto, isso também não é boa ideia , afinal seria como se eu segurasse algo para me lembrar da minha identidade. Bem, sei que minha identidade não estaria nas letras impressas na lata, mas então ocorreria a sensação de posse. Meu nome está nela, é minha. É ai que me pergunto: eu possuo essa lata ou é ela que me possui? Quem é dono de quem? Ou o que é dono de quem? Tenho a sensação de que os nomes são marcas da nossa escravidão no império do consumismo desenfreado. Decido então voltar para casa e tomar um suco de laranja olhando pela janela e sentindo o vento da liberdade. Quanto ao “Walter” impresso na lata, deixo-o sobre a mesa, sem nenhum ressentimento e desejo mesmo que seu destino seja a lata de lixo!