PEDRA NO SAPATO.
Era um rei um tanto privilegiado.
Tinha uma côrte servil, que atendia seus desejos até
quando eram só pensamento sem pestanear.
A saúde estava sempre em ordem, fora as
coisas de rotina.
Problemas de gestão por vezes roçavam os limites
da sua paciência, nunca ultrapassando este passo.
Mas havia algo que incomodava.
Sua família o respeitava, sabia que era referência e
ponto de apoio e coesão.
Não lembrava de catástrofes no reino há muitas gerações.
Estavam numa região de clima ameno e as colheitas
eram sempre generosas, seja o que fosse plantado.
Pena que tinha aquilo para perturbar.
Adorava participar de recepções e receber visitantes
que ficavam maravilhados com aquele reino.
Fazia questão de ser um rei próximo dos súditos:
estava sempre aberto, e disposto, a ouvir
conselhos, críticas, o que fosse.
Não tinham os problemas que assolavam outros
reinos, como violência crescente e sujeira a granel.
Mas reconhecia que aquilo era sua pedra no sapato.
Até que um dia, já bem velho, foi perdendo as forças,
e ficou atolado por uma avalanche de males,
que minaram sua energia com vigor,
até restar só um dedo mindinho de vida.
Foi neste filete que se atracou com as últimas forças
que lhe restavam.
Ficou assim por muito, muito tempo mesmo.
Até que nem este porto mínguo não conseguiu mais
segurar as pontas.
Morreu. Consternação geral.
Seu epitáfio clareou bem a essência que o traduzia:
"Viveu bem, foi justo, foi amado, foi respeitado.
Mas havia algo que sempre o perturbava mas nunca soube o que era".
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