Caminhos por onde andei - Crônica
Fotos: Feitosa dos Santos - Também no Digestivo Cultural - SP
O tempo vai extirpando lembranças e deixando em nós lacunas, antes preenchidas com fatos extraordinários e nem sempre valorizados no período que vai da infância a juventude. Eu vivi esse espaço intensamente e num tempo, acredito eu, incomparável. Nada mais justo, rever todos os lugares e os caminhos que me viram crescer e fundamentaram a minha trajetória como cidadão.
Toda a minha infância e juventude vivi na zona rural. De segunda a sextas feiras sobre o selim do meu cavalo, percorria caminhos rurais, trechos de ferrovia e estrada de rodagem até chegar a escola onde estudava, na pequena e deslumbrante, cidade de Bananeiras.
Essa cidade localiza-se no brejo paraibano, encravada entres as montanhas formadoras do complexo Serra da Borborema, fazendo parte de um conjunto de cidades conhecidas como caminho do Frio: Solânea antiga Vila de Moreno, Serraria princesa do brejo, Pilões e Borborema.
Fiz o curso primário na zona rural. Quando da admissão ao ginasial, tive de fazê-lo na cidade; Escola Particular Santa Terezinha, regida pelo inesquecível professor, Severino Campos de Andrade. Na segunda semana de aula, ele convidou-me ao quadro negro, para desenvolver um polinômio, fiquei em frente ao problema e me interrogava: que diabo é isso? Nunca ouvi falar desse tal de polinômio! Após alguns minutos, sem sequer tocar no giz, ele falou: senhor Feitosa volte ao seu lugar, em seguida complementou: o senhor está morto, enterrado e com uma pedra por cima. Levei um susto e resolvi arregaçar as mangas.
Resumo da história, ao final do ano na prova de admissão, entre tantos candidatos, passei entre os primeiros colocados, para o curso ginasial e fui por muito tempo o exemplo preferido dele. Por isso o considero até hoje o meu maior incentivador.
Assim ingressei no Colégio Estadual de Bananeiras, do qual orgulho-me pelo corpo docente dessa magnifica instituição de ensino. Fizeram parte da minha vida escolar os incansáveis professores: Edgar Santa Cruz, Vital Santa Cruz, Hélio Santa Cruz, Dra. Olga de Oliveira Ramos, Walmir, Dr. Severino, Dr. Miguel Levino, Gisélia Cavalcante entre outros de elevados conceitos.
Todos os dias selava o cavalo as onze horas, almoçava e as onze e trinta, trotava a caminho da escola. Cruzava um bom pedaço de mata atlântica, onde podia observar as arvores, os pássaros e seus cantares, as jaguatiricas a cruzarem o caminho e vez por outra o sol descortinava os seus raios por entre as copas, percorria o planalto e descia as encostas, trotava por entres trilhos da ferrovia, vez por outra atravessava o túnel, outras vezes subia a colina atingindo a estrada no ponto que denominávamos de viração.
Desse local avista-se boa parte da cidade por sobre o vale e havia uma bodega, na qual comprávamos lanches, os mais diversos, entre esses havia um biscoito que eu apreciava muito, conhecido como "tareco", biscoito arredondado de massa de pão de ló torrado. Parávamos nesse ponto geralmente à tardinha, quando voltávamos da escola para o lar, eu e dois amigos de cavalgada: Arnoud Adelino e Robinson Cunha.
Da viração até o ponto do guarda cavalos, distava uns mil e duzentos metros. Deixávamos os cavalos e dali prosseguíamos a pé até o colégio, ficando esse a mais ou menos uns quinhentos metros à frente. As aulas tinham seu início as treze horas e o término as dezessete em ponto.
Quando da volta, deparávamos com um pôr do sol magnifico do alto da viração. Esse era para nós ponto de parada obrigatória. Em seguida iniciávamos a descida, contemplando um visual de uma localidade aonde a natureza foi pródiga. Atravessávamos um baixio, cruzávamos um rio, subíamos um barranco e lá estava a linha férrea. Quase sempre galopávamos a montaria, com receio de atravessar a mata sob a escuridão cerrada. Por vezes alongávamos a volta, indo por outro caminho, morríamos de medo, ao pensar em dá de cara com a caipora, menina perdida e envolta em cabelos e que não tolerava cavalos, - rezava a lenda -. Assim cumpríamos o ritual de ir e vir todos os dias durante cinco longos anos.
Hoje, pois, três de julho de dois mil e quinze, resolvi refazer os caminhos pelos quais passei até 1969. A ferrovia por onde serpenteava a maria fumaça puxando o seu comboio já não mais existe. O túnel virou caminho para os pedestres. Hoje, apenas um referencial turístico. Da saudosa bodega na viração, apenas escombros. O caminho por onde eu subia o monte, virou cercado para o gado. Os rios tornaram-se riachos, das matas restaram pequenas e esparsas áreas onde florescem ainda as poucas árvores silvestres. A estação ferroviária, transformaram-na em pousada, do estábulo, guarda cavalos, são raros os que lembram.
Enquanto contemplava o efeito do tempo, vislumbrava com riqueza de detalhes, cada lugar e instante, vivenciados no selim do meu cavalo. Cavalguei por cinco longos anos, talvez os mais importantes da minha infância.
Não há como não se emocionar. Do topo da viração, nome atribuído pelo fato de avistar-se o local onde o trem virava de direção, vi que ainda existe a velha e precária estrada que liga Bananeiras a vila de Pilões dos Maias e a cidade de Borborema. É sorte ter em forma de lembranças as minhas vindas e idas preservadas, sem as mutilações causadas pelas lacunas do tempo. Que assim seja por muitos anos e muitas histórias.
Nessa minha visita aos caminhos por onde andei, por um instante fundi o passado ao presente e saboreei lembranças com a satisfação de quem, um dia, deixando tudo, caminhou em busca do seu ideal, transformando o sonho em realidade.
Agora, pois, novos rumos, buscando cada vez mais a minha realização pessoal e profissional, sendo útil, produtivo e consequentemente feliz.
Bananeiras, 03/07/2015
Feitosa dos Santos
O tempo vai extirpando lembranças e deixando em nós lacunas, antes preenchidas com fatos extraordinários e nem sempre valorizados no período que vai da infância a juventude. Eu vivi esse espaço intensamente e num tempo, acredito eu, incomparável. Nada mais justo, rever todos os lugares e os caminhos que me viram crescer e fundamentaram a minha trajetória como cidadão.
Toda a minha infância e juventude vivi na zona rural. De segunda a sextas feiras sobre o selim do meu cavalo, percorria caminhos rurais, trechos de ferrovia e estrada de rodagem até chegar a escola onde estudava, na pequena e deslumbrante, cidade de Bananeiras.
Essa cidade localiza-se no brejo paraibano, encravada entres as montanhas formadoras do complexo Serra da Borborema, fazendo parte de um conjunto de cidades conhecidas como caminho do Frio: Solânea antiga Vila de Moreno, Serraria princesa do brejo, Pilões e Borborema.
Fiz o curso primário na zona rural. Quando da admissão ao ginasial, tive de fazê-lo na cidade; Escola Particular Santa Terezinha, regida pelo inesquecível professor, Severino Campos de Andrade. Na segunda semana de aula, ele convidou-me ao quadro negro, para desenvolver um polinômio, fiquei em frente ao problema e me interrogava: que diabo é isso? Nunca ouvi falar desse tal de polinômio! Após alguns minutos, sem sequer tocar no giz, ele falou: senhor Feitosa volte ao seu lugar, em seguida complementou: o senhor está morto, enterrado e com uma pedra por cima. Levei um susto e resolvi arregaçar as mangas.
Resumo da história, ao final do ano na prova de admissão, entre tantos candidatos, passei entre os primeiros colocados, para o curso ginasial e fui por muito tempo o exemplo preferido dele. Por isso o considero até hoje o meu maior incentivador.
Assim ingressei no Colégio Estadual de Bananeiras, do qual orgulho-me pelo corpo docente dessa magnifica instituição de ensino. Fizeram parte da minha vida escolar os incansáveis professores: Edgar Santa Cruz, Vital Santa Cruz, Hélio Santa Cruz, Dra. Olga de Oliveira Ramos, Walmir, Dr. Severino, Dr. Miguel Levino, Gisélia Cavalcante entre outros de elevados conceitos.
Todos os dias selava o cavalo as onze horas, almoçava e as onze e trinta, trotava a caminho da escola. Cruzava um bom pedaço de mata atlântica, onde podia observar as arvores, os pássaros e seus cantares, as jaguatiricas a cruzarem o caminho e vez por outra o sol descortinava os seus raios por entre as copas, percorria o planalto e descia as encostas, trotava por entres trilhos da ferrovia, vez por outra atravessava o túnel, outras vezes subia a colina atingindo a estrada no ponto que denominávamos de viração.
Desse local avista-se boa parte da cidade por sobre o vale e havia uma bodega, na qual comprávamos lanches, os mais diversos, entre esses havia um biscoito que eu apreciava muito, conhecido como "tareco", biscoito arredondado de massa de pão de ló torrado. Parávamos nesse ponto geralmente à tardinha, quando voltávamos da escola para o lar, eu e dois amigos de cavalgada: Arnoud Adelino e Robinson Cunha.
Da viração até o ponto do guarda cavalos, distava uns mil e duzentos metros. Deixávamos os cavalos e dali prosseguíamos a pé até o colégio, ficando esse a mais ou menos uns quinhentos metros à frente. As aulas tinham seu início as treze horas e o término as dezessete em ponto.
Quando da volta, deparávamos com um pôr do sol magnifico do alto da viração. Esse era para nós ponto de parada obrigatória. Em seguida iniciávamos a descida, contemplando um visual de uma localidade aonde a natureza foi pródiga. Atravessávamos um baixio, cruzávamos um rio, subíamos um barranco e lá estava a linha férrea. Quase sempre galopávamos a montaria, com receio de atravessar a mata sob a escuridão cerrada. Por vezes alongávamos a volta, indo por outro caminho, morríamos de medo, ao pensar em dá de cara com a caipora, menina perdida e envolta em cabelos e que não tolerava cavalos, - rezava a lenda -. Assim cumpríamos o ritual de ir e vir todos os dias durante cinco longos anos.
Hoje, pois, três de julho de dois mil e quinze, resolvi refazer os caminhos pelos quais passei até 1969. A ferrovia por onde serpenteava a maria fumaça puxando o seu comboio já não mais existe. O túnel virou caminho para os pedestres. Hoje, apenas um referencial turístico. Da saudosa bodega na viração, apenas escombros. O caminho por onde eu subia o monte, virou cercado para o gado. Os rios tornaram-se riachos, das matas restaram pequenas e esparsas áreas onde florescem ainda as poucas árvores silvestres. A estação ferroviária, transformaram-na em pousada, do estábulo, guarda cavalos, são raros os que lembram.
Enquanto contemplava o efeito do tempo, vislumbrava com riqueza de detalhes, cada lugar e instante, vivenciados no selim do meu cavalo. Cavalguei por cinco longos anos, talvez os mais importantes da minha infância.
Não há como não se emocionar. Do topo da viração, nome atribuído pelo fato de avistar-se o local onde o trem virava de direção, vi que ainda existe a velha e precária estrada que liga Bananeiras a vila de Pilões dos Maias e a cidade de Borborema. É sorte ter em forma de lembranças as minhas vindas e idas preservadas, sem as mutilações causadas pelas lacunas do tempo. Que assim seja por muitos anos e muitas histórias.
Nessa minha visita aos caminhos por onde andei, por um instante fundi o passado ao presente e saboreei lembranças com a satisfação de quem, um dia, deixando tudo, caminhou em busca do seu ideal, transformando o sonho em realidade.
Agora, pois, novos rumos, buscando cada vez mais a minha realização pessoal e profissional, sendo útil, produtivo e consequentemente feliz.
Bananeiras, 03/07/2015
Feitosa dos Santos