Pelos caminhos de Minas
Ao entrar por aquela porta tão imponente... porta de madeira maciça, azul, sua grandeza revela quão importantes pessoas costumavam passar por ali. Era uma rotina diária, imagino, e tão prazerosa para a maioria, que nem via o tempo passar; angustiante para outras, o tempo era vilão. Esse mesmo tempo parou nas lembranças que tenho das aulas de história, ainda do ensino fundamental, e da nossa visita. Tantos anos ficaram para trás... e hoje, estou frente a frente àquela mesma porta que me encantou desde o primeiro encontro. Quando saber mais sobre ela era algo banal. Meu encanto era apenas por sua beleza, talvez a cor se fixou mais na minha memória, no tempo em que tudo era realmente mais colorido. Mas o belo ficou. Não me interessaram as entrelinhas. Hoje corro atrás das verdades daquele lugar... e de suas fantasias também.
Ao entrar por aquela porta tão imponente, o som dos nossos calçados ecoava adentro. Podia sentir o cheiro, ainda, da época em que foi construída. Caraça! Passo a passo, bem devagar para que minha pele pudesse se arrepiar lentamente por causa daquele clima mais frio; ouvia em cada canto, o canto gregoriano que enfeitava a missa. Algo surpreendente. Tão belo e tão incomum para mim! Sentei-me no banco coletivo também da mesma época em que ocorreram as primeiras orações. Banco escuro, extremamente liso, onde minhas mãos percorriam de um lado para o outro, para que pudesse, pelo tato, importar a história daquele lugar, e das pessoas que se sentavam ali.
Eu fechei os olhos e por alguns minutos, fiquei sozinha, respirando as vozes harmônicas que deixavam aquela igreja mais mágica. Nas paredes e nas janelas, pinturas frescas ainda, como se houvessem sido trabalhadas hoje, tamanha realidade dos seus traços. O meu olhar fugiu para o alto. Algo lá em cima me roubou... o desenho do teto. Medidas perfeitamente, as vigas se destacam no fundo branco. São como mãos dadas, amparando quem, aqui de baixo, pede proteção do alto!
Percorrendo os corredores, observando toda exuberância arquitetônica, toda ousadia, entre serras e vegetações, vislumbrei tamanha construção, através de objetivos tão adversos... as mãos suadas e os braços fortes que levavam cada pedra para lá, a custo de água e pão. O corpo exausto e a mente cansada daqueles que faziam a morada dos brancos. Trabalho de tantas famílias negras, em prol da formação exemplar dos líderes do Brasil! Ó Pátria Amada! Passado que já não mais se pode mudar. Por um minuto, ouvi de longe novamente, o coral da igreja, finalizando com maravilhosa melodia, com que, propositalmente, me chama a atenção novamente, para as reflexões as quais vim buscar.
Um jardim interno simples, cuidado, orquídeas enfeitando a escadaria, rosas perfumando o ambiente, instigando todos os meus sentidos, até que vi, bem no meio dos canteiros, uma camélia branca, quase aveludada, clamando por meu olhar! Símbolo da luta abolicionista, ainda na época da mineração, estava presente nas famílias de pensamento nobre, que, mesmo podendo fazer tão pouco, lutavam pela liberdade, nos seus nuances mais profundos.
Passeei novamente com meu olhar sobre aquela paisagem histórica, com imenso passado nas entrelinhas. Fotografei cada parede, cada ruína, cada formato que traduz, indiscutivelmente os comportamentos dos que ali habitavam. Observando cada pessoa que por ali passava, que como eu, buscava a história vivida daquele lugar, sem julgamentos. Que como eu, inconscientemente, buscava uma reflexão mais profunda da vida.
Nos meus tempos de adolescente, o que havia ficado marcado era aquela enorme porta azul de madeira maciça... Hoje, volto para casa com a história viva de Minas, intrínseca àquele templo que, não me importa mais se representa o sofrimento do preto ou as conquistas dos brancos, porque já foi vivido. O que fica fixado na minha memória é que já faço parte daquele lugar porque deixo lá um pouco da minha história, e levo um pouco da sua.