EMPÁFIA DO EIXO

Crônicas da bola

Gosto de ver os jogos da taça libertadores, embora nem sempre eles tenham um bom nível técnico. O clima dos estádios sul-americanos em dias de jogos da competição é sem igual. A vibração e o entusiasmo das torcidas, das hinchadas, dá aos certames uma emoção que é pouco comum a jogos de outros campeonatos continentais. Entre la bombonera em dia de jogo da libertadores e o santiago bernabéu em dia de jogo da champions league, fico com la bombonera.

Deste modo, na última quarta-feira pus-me diante da TV para ver São Paulo x Cruzeiro, clássico nacional que possui ares de aristocracia. Não fugindo a regra da competição, foi um jogo em que mais imperou a vontade, a disposição e a força, embora ambas as equipes ter em seus elencos jogadores extremamente técnicos, a saber, Ganso pelo lado do São Paulo e De Arrascaeta pelo lado do time de minas.

Não é sobre o jogo em si, contudo, que pretendo discorrer. Meu assunto é outro, ainda que esteja circunscrito diretamente a partida.

Em mais de uma oportunidade, no momento em que a torcida do Cruzeiro ficara em primeiro plano nas imagens da televisão, o narrador da peleia, Luiz Carlos Júnior, que por sinal é um bom narrador, fez a seguinte observação: canta a torcida mineira no Morumbi. Em primeiro momento, parece não haver absolutamente nada demais em tal afirmação, todavia, a meu juízo, ao analisá-la com mais atenção desvendamos a empáfia nela contida.

Pois bem, quando Luiz Carlos afirma canta a torcida mineira no Morumbi, implicitamente em sua frase está sendo dito o seguinte: canta no estádio do Morumbi os torcedores do Cruzeiro que vieram de minas gerais, pois em São Paulo não existe torcedores do Cruzeiro, time regional. Obviamente que os fatos não corroboram com tal tese.

Alguns dirão que exagero quando assim reflito acerca da frase do narrador. Não há exagero nenhum, contudo, e isso pode ser facilmente comprovado com a seguinte constatação: em alguma oportunidade viu-se, por exemplo, um narrador qualquer afirmar, a critério de exemplo, em um jogo entre Sport x Flamengo algo parecido com canta na ilha do retiro a torcida carioca? ou em um certame entre Figueirense x São Paulo canta no Scarpelli a torcida paulista? Para ambas as perguntas à resposta é não. O mais provável, e o que de fato acontece na maioria das vezes, é que naquela ocasião dir-se-ia canta na ilha do retiro a torcida do mengão e nesta, por sua vez, canta no Scarpelli a torcida do tricolor paulista.

Fato é que paulistas e cariocas, mais especificamente, Jornalistas/torcedores e torcedores paulistas e cariocas creem e querem fazer crer, por meio de seus comentários, como o do Narrador Luiz Carlos Júnior, que os times de seus respectivos estados possuem o status de clubes nacionais, enquanto que os dos demais são apenas regionais. Em suas cabeças é concebível que um catarinense, por exemplo, seja torcedor do Flamengo, mas inconcebível que um carioca seja colorado, o que de fato comumente ocorre. A eles é concebível que um paranaense seja torcedor do Santos, mas inconcebível que um paulista seja cruzeirense, o que de fato também comumente ocorre.

Em síntese, paulistas e cariocas creem e querem fazer crer que o que há melhor no futebol brasileiro está restrito a seus estados. Se porventura times de outros estados do país, em específico os do Rio Grande do Sul e os de Minas Gerais, recebessem o mesmo aporte financeiro e midiático da principal investidora do futebol brasileiro, a saber, a Rede Globo, escuso dizer que em pouco tempo os jornalistas/torcedores e os torcedores dos times do eixo Rio-São Paulo teriam que abrir mão de suas empáfias.

Rafael Oliveira, Florianópolis 2015.