O Resgate
Num desses dias em que os ombros parecem mais largos, o fardo parece mais pesado e as perguntas parecem não ter fim eu caminhava um tanto apressada calculando os lugares e os problemas que tinha que resolver pra ver se cabiam no tempo que tinha e ainda me sobrava um pouco para almoçar. Quando estamos desse jeito não reparamos muito em volta nem damos atenção pra quem passa. Eu estava num desses dias na semana passada, me perguntando o porquê da minha sorte, o porquê tudo pra mim tinha que ser sempre mais sofrido, mais difícil, ao mesmo tempo em que minhas próprias frases motivacionais flutuavam ao redor repetindo sempre: “porque assim a vitória será mais saborosa”, “quem tenta te fazer mal só faz mal a si próprio”, e assim eu caminhava, na cabeça flutuavam frases e questões enquanto trocava passos na calçada.
A angústia só me fazia apertar o passo e por vezes eu tentava não chorar enquanto andava. Eu não sabia, mas Deus tinha preparado uma surpresa pra mim.
Ao dobrar uma esquina engoli mais uma vez o choro e me deparei com o olhar de um menino a dois metros de mim que me olhava maravilhado como se tivesse encontrado alguma conhecida. Devia de ter uns cinco talvez seis anos, segurava nas mãos da mãe e me olhava...
Tanto me encarou que olhei pra mãe pra ver se eu os conhecia e no momento não recordava, mas tive certeza que nunca os tinha visto, aproximando-se o garoto pergunta à mãe apontando o dedinho pra mim: “Mãe, quem é essa mulher?” A mãe desconcertada me sorri e responde: “Não sei filho” e então o menino diz: “Ela é bonita!”. Neste mesmo momento ambos passam por mim, e mergulho fundo no olhar inocente de quem acabara de me elogiar, o menino passa seus dedinhos sobre minha roupa e acena, levando consigo todo o meu chão. Segui flutuando, despedaçando os medos e as preocupações.
Por um tempo indeterminado perdi o rumo, as perguntas, as frases. Perdi tudo! Aqueles dedinhos quando me tocaram pareciam ter me dados asas, arrebentado as correntes, jogado pra longe todos os fardos...
Aquele sorriso quando me iluminou lavou todas as cores pesadas com que eu tinha pintado meu dia e derramou uma aquarela de cores vivas à minha frente.
Aquele olhar sincero de um menininho que nunca havia visto provocou um turbilhão de emoções que há muito não sentia. A pureza que ele me transmitiu parecia uma aurora boreal na minha alma.
Tudo ficou tão leve! Quando dei por mim, estava sentada num banco da avenida, tinha comprado um sorvete e estava apenas vendo o tempo passar.
Os problemas, eu deixei ao lado no banco e agendei outro dia pra me lembrar deles.
Não foi pelo elogio, mas sim pela profundidade daquele olhar, pela luz daquele sorriso, pelos dedinhos curiosos ao me tocar. Sem saber, aquele garotinho me resgatou.