A pequena revolução Nerd
Os videogames mudaram e já não são mais como antigamente. Ou ao menos não são mais vistos como antigamente.
E longe de ser um daqueles processos de mudança longos e imprecisos, este é curto o suficiente para caber na vida de quem nasceu na década de 80.
Tive a oportunidade de ter uma infância marcada por um computador 386 e horas de piração pixelada frente aos consoles 8 bits. Horrorizada, minha mãe me dizia, e reproduzindo o discurso alarmista daquele tempo estranho, que eu viraria um vegetal de tanto jogar aquelas coisas todas.
Os professores, no mesmo tom alarmista, diziam que jogar faria mal, que atrofiaria nossos cérebros, que aquilo atrapalhava fazer novos amiguinhos. E a TV, sempre na vanguarda do alarmismo, acusava os jogos pelos esporádicos episódios de violência em escolas e salas de cinema, quando alguém descarregava aleatoriamente uma arma de fogo - os réus começaram com Doom 95 e hoje alcançam GTA: V.
E, conforme ia chegando a adolescência, as pessoas da minha idade que não jogavam sempre tinham a acusação pronta de seu nerd!, como se ser nerd (neste caso, alguém que gosta de videogames) fosse um pequeno crime contra a sociedade.
De um lado estava o aceitável, de outro o inaceitável, e videogames estavam do lado inaceitável.
Mas de um tempo para uma imigração de lado teve início, como nos sugere uma reportagem da UOL desta semana, intitulada "Trabalho em equipe e planejamento: veja como os games ajudam a carreira".
Que, resumindo, seria: jogue videogames e esteja mais apto ao ambiente de trabalho.
E essa notícia é só a crista da onda maior que veio elogiando as potencialidades dos videogames através de várias outras notícias.
Pois, se você não sabia, fique sabendo que eles podem ser o tônico digital para nossos cérebros. Mais ainda, podem ser o remédio que, em doses certas, ajudam na formação do seu filho. E falando em filhos, ao contrário do que dizia minha mãe, os jogos podem ajudar a melhorar coisas como visão, coordenação motora, e atividades mentais como um todo - ou seja, sem chances de virar vegetal.
Basta procurar no Google e tudo isto salta em notícias e também artigos científicos.
Assim como o ovo e o colesterol, videogames e aceitabilidade estão revendo suas relações. E algumas razões podem ser apontadas.
A notícia da UOL deixa bem claro que este é um mercado considerável, e as cifras altas significam investimentos pesados em marketing e, claro, qualidade.
E desta forma, se antes era preocupante a imagem do adolescente (espinhento, por pressuposto) que passava as madrugadas tentando expandir seu império enquanto evitava invasões inimigas ao sul, agora, é quase glamourizada a imagem do cidadão que chega em casa após estressante dia de trabalho e relaxa com uma jogatina no seu console de alguns milhares de reais.
É o novo futebol depois do expediente, mas sem suor, e um tanto mais caro.
Há também uma questão geracional: os adolescentes que mendigavam um ou dois reais dos pais para fichas de jogo, ou então horas pagas em lan houses, agora cresceram e têm um salário para manter (ou tentar, né) seu gosto por videogames.
Indo adiante, se antes os pais brigavam porque seus filhos não paravam de jogar, agora os pais pegam o player 2 e entram na disputa - e ainda zoam o filho por ser newbie.
E no final disso tudo há a diminuição do típico pânico inicial que acomete as novidades tecnológicas. Afinal, novas tecnologias (e novas relações com as tecnologias) têm essa peculiar capacidade de provocar pânico.
Os telefones fariam toda relação travar na impessoalidade da distância. As TV's nos transformariam em alfaces passivas recebendo, sem contestação, um conteúdo pré-formatado. Os computadores, em sua velocidade e automação em cálculos e operações complexas, nos substituiriam.
Os celulares seriam pequenas bolhas de isolamento dos ambientes onde estávamos, reforçando o individualismo contemporâneo. A internet seria um buraco negro de informações sem controle, e as relações humanas, agora sim, não poderiam alcançar ali nenhuma profundidade ou autenticidade.
Os smarthphones seriam a conexão constante, e por isso estafante, que nos transformariam em seres sempre conectados e por isso sempre estressados. E o pânico da vez, os apps, a chamada app dependência, que nos impediriam de fazer qualquer coisa senão pudéssemos registrar (e compartilhar publicamente) o feito em um app.
Apesar de alguns fatos aparentemente confirmarem o pânico, como vemos em algumas notícias sobre as clínicas para dependentes tecnológicos, o pânico excede tais fatos.
Afinal, não é a tecnologia que usa as pessoas, mas sim as pessoas que usam as tecnologias - isso até rolar a Matrix e aí ferrar todo nosso esquema.
Os videogames também foram vítimas desse pânico todo, não obstante a convivência, lubrificada pelo mercado e pela geração atual, vá aos poucos o reduzindo, e tornando mais palatável a ideia de que pode ser saudável termos videogames em nossos cotidianos - e como dizia aquela reportagem da UOL, também em termos de vida profissional, que é a preocupação central neste mundo capitalista.
E, inclusive, surgem mais provas daquela obviedade de que não são os videogames que usam as pessoas, mas sim o contrário, e com muita inventividade, surpreendendo até mesmo os próprios idealizadores dos primeiros videogames - como em seu uso dentro da terapia ocupacional, um outro uso que uma pesquisa simples no Google nos revela.
Os videogames definitivamente não são mais como antigamente.
E nós, nerds, testemunhas do Atari, determinados assopradores de cartuchos, jogadores que zeravam os jogos sem save (e anotavam passwords no papel mais próximo), desbravadores de mundos 2D, que trocavam disquetes para instalar um jogo de incríveis 10 MBs, que pudemos sentir a genuína novidade de uma jogatina online, e que não viramos vegetais nem assassinos, nós, nerds, estamos tendo nossa pequena revolução cultural. Agora somos legítimos (ou quase).