HORA DO ÂNGELUS

Dezoito horas. Quando ali entrei, iniciavam-se os maravilhosos acordes da "Ave Maria", de Gounod. Caminhando lentamente, com ar contrito e sentindo os efeitos espirituais daquele momento, comecei a cantar baixinho aquela suave e contagiante música. Tão absorto fiquei que parecia estar pisando em nuvens e já nem reparava direito nas pessoas que estavam ao meu lado. Aqui e ali ouvia exclamaçôes típicas daqueles instantes:

" - Senhor amado!"

" - Virgem Santíssima!"

" - Ave Maria!"

" - Santo Deus!"

Continuei andando ainda empolgado com os acordes finais da inspiradora canção. Meu caminhar parecia não ter fim e, para dizer a verdade, pouco me importava a direção dos meus passos. Ainda ouvi belas palavras de profunda espiritualidade:

" - Jesus Cristo!"

" - Nossa mãe!"

" - Virgem Maria!"

Acabou a música e com ela a "Hora do Ângelus". Nesse momento, esbarrei em alguém e acordei do meu devaneio espiritual. Pedi desculpas e no mesmo instante ouvi um sonoro e arrepiante palavrão pronunciado por uma pessoa ao meu lado. Reparei, então, que um senhor recolocava uma lata numa prateleira.

Eu estava, na realidade, num supermercado.