Perdido na Terceira Idade

Perdido na Terceira Idade

Eu estou na terceira idade. Não foi uma decisão minha, aliás, ocorreu contra a minha vontade. Tentei evitá-la, de todas as maneiras. Esquecia voluntariamente meus aniversários. Se alguém tocava no assunto eu desconversava. Imaginei que, se eu não tomasse conhecimento, meu cronômetro da vida ficaria parado. Não poderia estar mais enganado. Acontece que os aniversários ocorriam, mesmo que eu fingisse não vê-los. Assim, sem mais nem menos, completei a fatídica idade de 60 anos. E isso já foi a três anos atrás.

No começo, até pareceu que tudo continuava normal. Depois apareceram alguns lembretes da minha condição. Uma ligeira dor nas juntas. A visão, ás vezes, ficava embaçada. Esquecia-me de algumas coisas. Portador de uma personalidade meio fatalista, eu sou sempre dado a conclusões definitivas, quase sempre erradas. É a terceira idade. Estou ferrado, afirmava.

- Menino, é assim mesmo. 60 anos é só uma etapa da vida. – Era minha irmã Rita, sabiamente me trazendo à razão. E ela é mais nova do que eu. Mas eu jamais aceitei, sem luta, esse negócio de “melhor idade”. Isso é coisa de espertalhões tentando enganar os velhinhos. Onde já se viu? Quando a debilidade física, a cognição diminuída, a memória de tartaruga, podem ser indícios de melhor idade? Isso é história para boi dormir! Só pode ser conversa de agente de viagens tentando vender pacotes turísticos para a turma do pé-na-cova!

Apegados aos meus conceitos, só me restou sabotar a terceira idade. Assim, numa cruzada particular, eu resolvi enfrentar uma guerra, nos meus termos. Faço caminhada quase todos os dias, escrevo umas bobagens diariamente, só ando de bermuda, tênis, camiseta e óculos escuros. Jamais entro na fila dos velhinhos, isso é uma questão de honra. Não sei se estou ganhando a guerra, mas algumas batalhas sim. Outras não.

Naquela segunda feira, estava eu na fila da lotérica. Sempre faço uns joguinhos na loteria, vai que um dia a máquina de sorteio se engana e me dá um prêmio. Na fila comum, claro. A fila dos velhinhos só tinha duas pessoas. A minha tinha umas 30. Mas eu não ia dar mole para a terceira idade, jamais. A fila dos idosos agora só tinha uma pessoa. E a minha fila não andava. Mas eu sou determinado, não me entrego fácil. Não tinha mais ninguém na fila da terceira idade. Mas eu não vou, pensei. Olhei a minha fila e vi uma senhorinha atrás de mim. Calculei bem, achei que ela tivesse beirando os 60. Pelo aspecto geral, pequena, sofrida, ninguém iria questioná-la sobre isso. Não resisti e falei.

- Senhora, tem aquele guichê ali, que até está vazio, para atender as pessoas com mais de 60 anos. – Falei, imprudentemente. Ela se limitou a dizer.

- Só tenho 45 anos. – Procurei um buraco para pular dentro, mas não achei. Se tivesse uma picareta eu mesmo cavava o buraco. Eu e minhas conclusões precipitadas! Errei por 15 anos a idade da mulher! Para um homem isso não é tão problemático. Mas, uma mulher, tendo um julgamento tão injusto? Ela vai me odiar o resto da vida! Disfarçadamente, olhei de canto de olho, para ver se ela estava com alguma faca, um guarda-chuva, um leque, qualquer coisa para me atacar! Eu até merecia, mas ainda queria continuar vivo, mesmo na terceira idade. Felizmente ela, parece, não ligou ou não compreendeu as implicações da minha sugestão.

Mas fiquei, durante muito tempo, naquela fila, acompanhando, o que acontecia, na frente, e atrás. Vai que a mulher se dá conta que a chamei de velha e, num surto de vingança, me dá uma mordida nas costas, na falta de uma arma mais apropriada. Nunca mais sugeri a fila dos velhinhos para ninguém. Não quero errar mais a idade das mulheres nem descobrir, se outros homens, como eu, foram empurrados, contra a vontade, para terceira idade.

Pequiboy
Enviado por Pequiboy em 17/04/2015
Código do texto: T5210187
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