Guerra dos Sexos IV - O Flanco Direito

Guerra dos Sexos IV – O Flanco Direito

Estavam casados a cerca de um ano e meio. Casal sem filhos, ambos trabalhavam. Relativamente jovens, tinham muito coisa em comum. Conheceram-se na universidade, engataram namoro, casaram-se após a formatura do marido, Felipe. Ela, Amanda, ainda tinha mais seis meses de faculdade, que concluiu depois de casada. Moravam em apartamento alugado, os pais ainda ajudavam em muita coisa. Como é normal, em todo relacionamento, nem toda queda de braço resulta em decisão que agrade a ambos. Naquela sexta-feira, à noite, Felipe prevaleceu sobre a esposa, se recusando a sair pra comer fora. Mas sua vitória teve um gosto amargo. Ela, visivelmente contrariada, lançou uma acusação contra o marido.

- Você é um acomodado! – Ela falou e saiu da sala, dando por encerrada aquele assunto. Inicialmente Felipe, após um cansativo dia no trabalho, não percebeu, imediatamente, a extensão daquele petardo. Sozinho na sala, TV ligada quase sem som, Felipe não parava de pensar no “acomodado”. Ele sabia o significado da palavra, mas, em hipótese alguma, se reconhecia nesse papel. De qualquer forma, pensou, o final de semana já está perdido. Ficou mais um tempo na TV, comeu um sanduíche e foi dormir. A esposa, já deitada, permaneceu inerte. Felipe entendeu a mensagem.

No final de semana, que se seguiu, o clima entre os dois permaneceu frio. Trocavam poucas palavras, de forma monossilábica. Felipe começou a ficar preocupado, alguma coisa se perdera entre ele e a mulher. Tentando entender o que estava acontecendo, pegou o dicionário e olhou. “Acomodado - Pessoa acomodada: aquela que está satisfeita com sua condição atual”. Não parecia tão ruim. Mas algo, em seu íntimo, não estava gostando. Tentou conversar com a esposa. Nada. Era como se ela não estivesse presente. Não havia brilho em seu olhar. Logo ela, uma garota cheia de vida, que adorava conversar sobre o futuro e fazer planos. Não, não era a mulher por quem se apaixonara. Ainda sem encontrar uma resposta às suas preocupações, Felipe foi trabalhar na segunda-feira.

Depois de almoçar, num restaurante próximo do seu trabalho, Felipe viu seu tio Alfredo conversando com alguém, na praça. Já aposentado, Alfredo sempre foi bom de prosa. Experiente, distribuía conselhos a torto e a direito. Tinha receita para quase tudo. Fez brilhante carreira no Exército, analisava tudo do ponto de vista militar. Felipe gostava de conversar com ele. Acabou por tocar no assunto do “acomodado”.

- Foi imprudência de sua parte – vaticinou o tio – Agora o inimigo tem uma informação privilegiada. Seu flanco direito está exposto. Precisamos de algo para contra-atacar. Com o que ela se irrita? – Felipe, sem entender por que o tio falava em guerra, inimigo, apenas disse.

- Ela fica possessa quando digo que ela é desorganizada.

- É isso. Essa vai ser sua arma. Mas só use quando for absolutamente necessário. Esta batalha você já perdeu, mas a guerra continua, então fique alerta. No futuro tenha mais cuidado. Não deixe o inimigo descobrir seus pontos fracos. Sabia que os alemães perderam a segunda guerra porque os ingleses conseguiram desvendar o segredo da Enigma? – Felipe sabia, já tinha ouvido aquela história muitas vezes. Os alemães utilizavam, nas comunicações militares, uma máquina de criptografia. Os aliados, uma vez descoberto o processo de decodificação, passaram a ter informações antecipadas sobre os movimentos dos alemães. Dizem que este recurso antecipou o fim guerra em pelo menos um ano. Naquele mesmo dia, Felipe, ainda insatisfeito com o rumo que seu casamento tomara, resolveu testar o seu flanco direito, digo, esclarecer aquele assunto. Antes de dormir, mas já na cama, ele questionou a esposa.

- Porque você está tão zangada comigo? Só por que não fomos jantar fora, na sexta?

- Não, Felipe. Não é pelo jantar! É pela maneira que você conduziu aquela discussão. Você não me convenceu. Você emburrou e disse que não ia sair. No passado você sempre argumentava, me convencia de suas razões. Sair, ou não sair para jantar, é coisa banal. Mas ser tratada como uma porta, uma tapada, porque eu estaria feliz?

- Eu estava muito cansado na sexta. Só queria ficar em casa. Pensei no restaurante cheio de gente, sem lugar pra estacionar, esperar uma mesa, pagar caro por uma amostra de comida, era demais para minha paciência!

- Porque você não falou isso na sexta? Não sou alguém sem noção, eu podia, perfeitamente, entender suas razões, como entendo agora.

- Querida, me desculpe. Não vou fazer isso nunca mais. Mas, por favor, nunca mais me chame de “acomodado”. – Lembrou-se do tio Alfredo e pensou que talvez não tenha sido uma boa hora para expor, novamente, o flanco direito. Amanda não deixou por menos.

- Vem cá, meu “acomodadinho”, me dá um beijo!

- Claro, sua “desorganizadinha” – Felipe protegeu o flanco direito e equilibrou aquela guerra, pelo menos até a próxima batalha.

Pequiboy
Enviado por Pequiboy em 13/04/2015
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