Guerra dos Sexos III - Operário Padrão
Joel era um adulto responsável. Torneiro mecânico há mais de 20 anos. Sempre trabalhou no mesmo emprego. Era o protótipo do operário padrão. Até por que ele já ganhara 8 vezes o concurso. Mesmo quando perdia, ninguém tinha dúvida de que ele era o merecedor da honraria. Mas os patrocinadores do prêmio precisavam diversificar os ganhadores, de forma a manter o interesse dos demais concorrentes. Se somente um funcionário ganhasse, porque os outros se esforçariam para vencer? Assim, a cada prêmio anual, alternadamente, o Joel perdia uma disputa. Ele meio que sabia disso. Aliás, toda a fábrica, inconscientemente, sabia dessa manobra. Mas ninguém ligava. Se alguém tivesse que apontar o melhor funcionário, o Joel era unanimidade, tenha ganhado ou não o concurso.
Se na fábrica Joel ostentava todo esse prestígio, em casa ele lutava muito para receber o mesmo tratamento da esposa. Casado há 13 anos com Marina, Joel nunca conseguiu entendeu a mulher. Ela dizia que ele era muito previsível, muito certinho, gostava sempre das mesmas coisas. De fato, Joel era muito responsável, jamais deixava de cumprir uma promessa, mas não gostava de fazer nada sem planejamento. Marina era uma explosão de espontaneidade, adorava improvisar, sair para jantar fora sem destino certo. Como dois espíritos tão diferentes foram viver juntos? Ninguém sabe como isso aconteceu. Principalmente o Joel que, apesar de todos seus esforços, a esposa sempre tinha algo para reclamar. Naquele dia ele comprou um bonito ramalhete de flores e mandou entregar em sua casa. Achava que surpreenderia positivamente a Marina. Ela nem ligou e ainda disse que ele só fez aquilo por que ela, praticamente, sugeriu. Mas o amor que sentiam um pelo outro superava as pequenas dificuldades, ou quase.
Como sempre fazia toda noite o Joel levantou-se e foi até a cozinha beber água. Tentava fazer o menor barulho possível, mas não conseguia evitar. Ao abrir a geladeira, ouvia:
- Amor, também quero água, traz pra mim – Era Marina que o acompanhava, em “espírito”. Ele olhava o pote de iogurte só pra ouvir
- Não come o iogurte não, é o meu café da manhã – Dizia Marina lá do quarto. Como é que ela sabia, lá do quanto, o que ele estava fazendo na cozinha? Joel se intrigava com estas questões. Marina dizia que ouvia ele abrir a geladeira. Ele insistia que ela estava dormindo quando ele saiu da cama. Erro seu, dizia ela. A discussão seguia noite adentro até que o sono vencesse os dois novamente. No dia seguinte tudo se repetia novamente.
Joel sabia que precisava fazer alguma coisa. Seu casamento era bom, mas a rotina e o tédio estavam desgastando paulatinamente o relacionamento. Mas ele não sabia como. Até que, no refeitório da fábrica, casualmente sentou em frente da Jandira, uma psicóloga que trabalhava no setor de recursos humanos da fábrica. Ela já a conhecia de palestras e outros eventos ligados ao Departamento de Pessoal. Ela era conhecida por ser direta em suas abordagens. Naquele dia ela foi ao ponto:
- Dificuldades no casamento Joel? – Ele não acreditou que estava ouvindo! Teriam as mulheres capacidade de ler pensamentos? Como era possível? Enquanto ele ainda tentava entender o alcance da pergunta, Jandira completou – Se não quiser não precisa responder – Ele queria.
- Os problemas de sempre. A gente se gosta, mas sempre tem coisas atrapalhando – disse, genericamente. Ela sentenciou:
- Não sei se você sabe, além do trabalho aqui eu também atendo em consultório particular, depois das 15 horas. Se quiser conversar a respeito me procure. De colegas eu cobro um preço camarada. Apareça lá, a primeira sessão é de graça – Entregou-lhe um cartão e retirou-se. Joel guardou aquele cartão no armário da fábrica por uma semana. Não comentou com Marina. Não sabia que reação ela teria. Olhou novamente o cartão e, surpreso, viu que o endereço era perto do seu trabalho. Ligou e marcou um atendimento para o dia seguinte. Reduziria seu horário de almoço, de forma que poderia sair meia hora mais cedo. Assim fez. Quando entrou no consultório perguntou como Jandira poderia saber do seu problema. Ela não fez regateios.
- Joel, 100% dos casamentos tem problemas. O que muda é o grau de tolerância entre as pessoas. Tem casais que se separam por motivos banais, como espremer a pasta de dentes de forma diferente. Outros casais passam a vida inteira se odiando, mas permanecem juntos. Nessa questão quem disser que está tudo bem é por que está mentindo! – Joel respirou fundo, ela continuou – Isso não quer dizer que o casamento seja uma instituição falida. Não, de forma alguma. O importante é os cônjuges buscarem entendimento e soluções que atendam aos seus interesses. Saber separar o ambiente doméstico do profissional também ajuda a lidar com as dificuldades. Você por exemplo, é o funcionário dos sonhos de qualquer empresa. É assíduo, eficiente, confiável, honesto e, sobretudo, previsível. Aposto que na sua casa essa última qualidade não serve pra nada. Poucas mulheres gostam de homens previsíveis – Joel continuava a não entender como Jandira sabia tanto a seu respeito. Ela continuou – Não seja tão certinho, faça coisas diferentes, surpreenda sua mulher, ela vai gostar – Mas esse era o problema, ele não sabia como, ela retrucou – hoje, por exemplo, você vai chegar em casa um pouco atrasado. Não dê detalhes ou explicações, diga apenas que não foi possível chegar no horário previsto. Não faça relatórios de tudo o que você faz. Seja genérico propositalmente. Por mais incrível que pareça, as mulheres, quando tem total controle da situação, sentem-se entediadas – Joel ouviu atentamente, um tanto surpreso.
No caminho de casa, ele foi ruminando aquele pacote de instruções. Chegando em casa Marina disparou:
- Amor, porque você se atrasou hoje? – Joel já ia entregando tudo quando se lembrou das recomendações da psicóloga. Tentou despistar.
- Cheguei atrasado? Nem notei. Acho que foi o trânsito – Marina não deixou barato:
- Trânsito? Estou casada com você a 13 anos e essa foi a primeira vez que você foi evasivo comigo. Todo dia o trânsito nesse horário é assim. Porque somente hoje você se atrasou? – Joel sentiu que estava em terreno diferente, mas insistiu na sua posição:
- Querida, eu não defino o que o acontece com o trânsito. Um acidente pode atrasar meu trajeto em mais de uma hora. Mas o fato é que sempre voltarei para casa, mesmo que possa, eventualmente, me atrasar – Marina insistiu:
- Então houve um acidente? Ela perguntou.
- Não sei, exatamente, mas o fato é que os carros estavam mais devagar. Provavelmente, quando passei no local do acidente os veículos envolvidos não estavam mais lá – Enquanto falava Joel finalmente percebeu a essência do que estava em questão, e emendou - Marina, isso tudo é irrelevante, diante do que sinto por você. Se pudesse eu viria de helicóptero, tal a imensa vontade de vê-la novamente. Eu te amo loucamente, não viveria um segundo sem... – Não conseguiu completar a frase, Marina praticamente pulou em cima dele, beijando-o loucamente. Naquela noite amaram-se perdidamente, Joel nem se lembrou do hábito noturno de beber água. Daquele dia em diante, com ajuda de Jandira, Joel se transformou num outro homem. Deixou de ser subserviente, mas continuou confiável. Ao invés de perder tempo com explicações, passou a expressar seus sentimentos. Totalmente imprevisível ele nunca conseguiu ser. Nem precisava. Marina não escondia o quanto estava feliz, com o marido amante. Do marido padrão ela só queria esquecer.