O Padre Atacante
O Padre Atacante
Década de 60, aquela cidade, localizada no interior do Maranhão, embora antiga, não tinha mais que 5.000 habitantes. Mesmo isolada, frequentemente confraternizava com os municípios vizinhos. Naquele domingo ensolarado, o time de futebol da cidade vizinha, disputaria uma partida amistosa com o time local. As duas seleções, na ponta dos cascos, eram formadas pelos melhores jogadores da cada cidade. Significa dizer que, naquela salada humana, havia de tudo. Policial, lavrador, vaqueiro, carpinteiro, dono de boteco, motorista etc. Na posição que não houvesse um craque, qualquer “perna de pau” era improvisado. A seleção local, contudo, tinha uma arma secreta. O padre, da Igreja Católica, era um misto de técnico, cartola, jogador e dono do time. Quando jogava atuava pela ponta esquerda. Amante do esporte bretão, o padre jogava de batina, por mais incrível que pareça. Tinha lá suas dificuldades para lidar com aquela saia, mas nunca decepcionou em campo. Até porque se houvesse algum entrevero, ele, com a autoridade sacerdotal, sempre conseguia apaziguar os ânimos.
Em jogos “oficiais” o padre geralmente atuava somente como técnico. Mas naquela partida ele foi obrigado, digamos, a entrar em campo. O ponteiro esquerdo sofreu um leve acidente, no treinamento, e ficou inabilitado para a partida. Não seria a primeira vez. O padre era rápido e nunca decepcionava a torcida.
No time visitante jogava um zagueiro direito, que se destacava pela altura. Era um negrão de quase 1,90m, forte e intimidador. Quando não parava, os atacantes, na técnica, recorria às faltas. Acho que, naquele tempo, ainda não tinham inventado o cartão vermelho, pois Bidogo, esse era seu apelido, provavelmente não terminaria as partidas jogando. Tendo somente a vitória como objetivo as duas equipes entraram em campo. Depois de 10 minutos, período de estudo mútuo, as equipes começaram a esboçar seus planos de jogo. A equipe local lançou a bola para o padre, mas ninguém tinha esperança de sucesso naquele setor. Marcado pelo Bidogo, o zagueirão guarda-roupa, e usando batina, o padre, provavelmente, não poderia fazer muita coisa. Mas algo estranho aconteceu. O padre passou fácil pelo zagueiro, cruzou a bola e a equipe local marcou o primeiro gol. A plateia explodiu de alegria.
Quando o time local retomou o jogo, após a saída de bola, o padre foi novamente foi acionado. De novo, driblou o zagueiro e cruzou. Não foi gol, mas o elenco local, e toda a torcida presente, tinham descoberto a fraqueza do adversário. Bastava a bola se aproximar daquele setor que a massa gritava:
- Olha o padre Bidogo!! Olha o padre Bidogo!! Cuidado Bidogo, lá vem o padre!!
Não deu outra, a vitória foi um acachapante 6 a 0. Bidogo foi substituído antes do final, mas não adiantava mais, o placar já estava definido. O técnico derrotado, inconformado, confrontou seu zagueiro, até então conhecido como a fortaleza da equipe.
- O que aconteceu? Porque você não derrubou o padre?
- Professor, eu não sou doido! E se o padre me roga uma praga? Prefiro perder o jogo a queimar no inferno depois de morto! – Bidogo era um cidadão simples, religioso. Ele não conseguiu dissociar o padre do jogador. Jamais cometeria uma violência contra um representante de Deus, mesmo num jogo de futebol. A torcida local comemorou a vitória, carregando nos braços o seu melhor jogador em campo, o padre, agora titular absoluto, com batina e tudo.