ÁGUAS DE MARÇO

Planeta Terra... nosso globo, nossa casa, nossa terra, terra no nome mas que na extensão tem 70 % coberto por água, donde apenas 3 % consistem em água doce, dos quais, 12 % em território brasileiro. 
Sim nosso Brasil, um País rico, exuberante, de poucas catástrofes naturais, uma enchente aqui, um deslizamento acolá, e mesmo agraciado pela natureza nesse bem essencial que é a água, sente o castigo da seca e da escassez em algumas regiões, um tanto por questões climáticas e geográficas, porém também pelo descaso primitivo no planejamento, na administração e diligência com esse vasto recurso fundamental.
Improvidência que passa pela gestão primária e sem estratégia que vemos dos governantes e ainda pela ilusão estúpida do infindável, no consumo desmedido da população que desperdiça ralo abaixo esse tesouro.
Cresci ouvindo alguns bordões, dos quais 3 deles muito conhecidos por todos, “O Brasil é o País do futuro” “O Brasil é o País do futebol” “O Brasil é o País da impunidade”.
O que de verdade ainda reside nessas frases que se eternizaram no inconsciente, me parece que um muito de cada, um tanto de nada e um pouco de tudo.
O futuro que cada um espera desde sempre, já nos bateu a porta a tempos, o País avançou em questões pontuais, a liberdade, a democracia, o amplo diálogo que se permite sobre qualquer assunto, ações sociais necessárias, algumas como soluções outras paliativas, contudo, a grande afirmação como País igualitário, justo, prospero e a portentosa posição no quadro mundial, nos foge por entre os dedos, pelo estigma da corrupção que acorrenta o crescimento, que saqueia os recursos, que desvia o curso natural do rio da expansão social para os cofres de políticos e seus partidos, empresários e seus laranjas, doleiros e seus parceiros, o futuro já não cabe mais em um bordão, ele é hoje, não pode mais esperar.
Entre os ópios que adormecem o povo, como a efêmera alegria carnavalesca, a falsa e pífia dramaturgia televisiva, o futebol ainda é o que mais entorpece o brasileiro, fomos anfitriões ilustres para uma copa do mundo, 7 anos de preparação para propiciar o espetáculo maior do esporte bretão que aqui ganhou o status de mágico, pura arte com os pés, celeiro dos melhores entre os melhores jogadores, o maior e mais vitorioso esquadrão, no campo porém fomos humilhados, não só pela capacidade dos adversários, mas muito pela arrogância de nos imaginarmos imbatíveis, na empáfia por julgar que preparação sólida e estratégica pode ser superada pela falsa qualidade técnica individual, que no “frigir dos ovos” o talento sobrepujaria a organização, por fim, afundamos na presunção e nos afogamos na incompetência.
Incompetência essa que não se restringiu as 4 linhas, muito pior foi o rio de dinheiro mal investidos, estimasse que quase 26 bilhões de reais foram gastos com infraestrutura necessária para ser a sede do evento, e disso, o que vimos, a enxurrada de dinheiro que escoou como água em estádios e obras superfaturadas, que até aqui muitas ainda inacabadas, a taça não ficou por aqui, as promessas de que soluções de mobilidade urbana viriam também não, e navegando em mar calmo a entidade FIFA atravessou o atlântico com 16 bilhões de reais, e menos de 1 ano depois, questionada sobre os estádios, verdadeiros elefantes brancos que na maioria ociosos ficaram como legado, em resposta enfática apenas disse “O problema é de vocês”, e assim, com um balde de água fria, tomamos mais um banho agora fora de campo.
Dentre os bordões que citei, o que envolve o ultraje da impunidade é o que mais incomoda, é o que avaliza o descaso da gestão pública no Brasil, pelo ranço histórico de que a justiça só funciona para punir pobres, que os abastados influentes e seus pares sempre escapam, que para esses não se aplica o rigor da lei. 
Mas como o futuro é hoje e não tem mais tempo para esperar, vivemos novos dias, cartéis de políticos e empresários que a muito se beneficiam da corrupção ativa e passiva aos poucos vão sendo desmantelados, e desse mar de lama nomes vem à tona, envolvidos em cascata surgem e o que era distante de se imaginar, vão sendo encarcerados, mesmo com o benefício do especial tratamento, gradativamente sentem sua liberdade cerceada, seus bens em risco e a punição tardia bater-lhes a porta. 
Ainda é pouco, mas é um alento que vem do judiciário, da obstinada investigação cooperativa da Polícia Federal e do tratamento imparcial aplicado pelo Juiz Sérgio Moro, e a população motivada e na esteira da indignação pela afronta dos valores, pela inércia do desenvolvimento do País, pela revolta com a passividade do nosso governo em relação a soma desses vetores que contaminam e fazem o gigante adoecer, como um tsunami foram as ruas, dia 15/03/2015 marcou o território de ponta a ponta, milhões saíram em clamor por mudanças, um oceano de cidadãos tomaram as praças das principais capitais, uma onda gigante que cantando e caminhando seguiu um grito único, justiça e mudanças principalmente, se na prática a reivindicação por mudança física é distante da possibilidade estabelecida pela democrática escolha em voto, a mudança de postura é sim possível, na vigilância constante, na atitude de exercer a cobrança incessante de ações efetivas e principalmente pela caça implacável dos culpados, sejam eles quem sejam, e a eles que se aplique a imparcialidade da justiça.
Março está indo embora e com suas águas leva com ele o verão, esperamos que ainda chova para o bem dos reservatórios e de muitos que sentem a escassez em suas torneiras, e que também não seja em exagero para o bem daqueles que por falta de saneamento e estrutura básica sofrem com enchentes, que seja então justa a chuva, como deve ser também a lei para todos, somente assim, sentiremos um pouco a sensação de termos da mácula da impunidade a nossa alma lavada.