Pérolas negras
Uma vez, quando estudava no ensino médio, conheci um garoto com olhos de pérolas negras. E coincidentemente, depois que o conheci, a cor preta passou a me chamar mais atenção. Eram duas pérolas bem negras e bem brilhantes, dessas que ou cegam ou conquistam totalmente o coração da gente. E foi isso que elas fizeram comigo: cegaram-me. E como se não bastasse carregar duas jóias escuras no lugar dos olhos, ainda tinha uma pele bonita dessas que parecem uma folha de papel bem branquinha e lisinha recém saída de uma máquina e também era dono de lábios finos e vermelhos, belos como o adeus de um viajante. Ele todo era beleza e devaneios para o meu já cego ponto de vista. E para terminar o pacote da doçura, devo descrever como eram os cabelos que emolduravam e davam vida para tamanha riqueza. Eram cabelos tão negros quanto os olhos, ou melhor, as pérolas. Negros e espessos, desses que despertam aquela vontadezinha de colocar os cinco dedos de uma mão dentro e ficar apreciando, de forma tipicamente humana, a maciez desses protagonistas que se parecem mais com uma noite sem estrelas, nem luar.
Outro dia, dormindo para descansar das canseiras da vida, sonhei de madrugada com os olhos de pérolas que brilhavam só para mim, exclusivamente na minha direção. Brilhavam e chamavam por mim, como se quisessem dizer sem palavras alguma coisa que nunca fora dita no tempo certo. E eu fiquei ali tentando interpretar aquelas pérolas, inocentemente cega por aquele brilho misterioso. O sonho acabou quando acordei ainda meio flutuando em cima do lençol de nuvem e não me encontrei mais com brilhos de pérolas ou cabelos de noite sem luar esvoaçando em um vento calmo e morno. Acordei somente com um coração distante e um sonho que aos poucos ia se esvaindo, escapando pelos dedos da memória que já se preparava para as agitações da vida real.
O tempo passou e só posso dizer que as pérolas negras ainda aparecem, vez ou outra, em algum sonho por aí. Criei uma lenda: quando elas aparecem é porque o amor está no coração. Nunca me esqueci daquele brilho negro, afinal, jóias negras são sempre mais elegantes e raramente serão esquecidas.
Nunca na minha vida vi aqueles olhos brilharem só para mim, mas meus sonhos, esses privilegiados filhinhos de papai presenciaram essa cenas várias e várias vezes.
O tempo, às vezes amigo, às vezes cruel apagou um pouco o brilho daqueles olhos negros e os deixaram um tanto opacos. Algumas outras coisas também mudaram um pouco, acompanhando naturalmente o que a vida exige de nossa existência. Mas o que uma vez foi fotografado pela memória de uma garota jamais será revertido. As pérolas permanecem negras e ainda mais brilhantes, mas não como forma de atração. Hoje elas são apenas a lembrança que as cores e os brilhos são as tatuagens da memória.