Que é isso coração!
Nossa primeira morada foi bem juntinha dum coração, o materno. Sim, estão cheios de razão os espiritualistas ao observarem que: “antes moramos numa Mente Infinita, o Coração Criador”.
Depois nos alimentamos ao ritmo do coração amamentador.
Certo dia percebe-se que, em nosso peito, o bater já conhecido. Descobrimos que em nós também bate um coração. Surpreendemo-nos: “que é isso coração”!
Vem a infância surge e fazemos as primeiras vinculações de emoção com o coração: a alegria de brincar; a ternura dos cantos de ninar, o medo, gigante indesejável, mas necessário ... e um bater acelerado ao encontrar certa amiguinha.
E, assim, durante toda vida estiveste, órgão independente, de iniciativa vital, a bater com a mesma gratuidade da flor, ao perfumar, a marcar com teu pulsar o viver. Mais do que isso, aí, já com vinculação por nós feita, a marcar nossas emoções.
Bateste de forma contraída e pesada em momentos de tristeza e dor. De forma suave e expansiva em momentos de alegria. De forma arrebatadora em momentos passionais. De forma etérea quando arrebatado pela pureza, beleza, bondade e sabedoria.
Entretanto aos equívocos reagiste, certamente, com batidas que os sentidos de equivocados jamais perceberam. Quem pode recordar tuas batidas, quando: asfixiado pela ansiedade queimada em maços e maços de cigarros; iludido por falsas alegrias embriagadas em garrafas envenenadas pelo álcool, alienado por fantasias catárticas costuradas pelas drogas; e compulsivos na solidão travestida de prazer em sexo sem sentido e sem razão? Não pude...
E assim, inseparáveis, tu de forma independente, incentivado por indiferente e inconsciente respiração, vivemos marcados e dependentes desse teu bater, desse teu ritmo marcador das melodias da vida. Até no sono e nos sonhos jamais nos abandonas.
O tempo passa, sempre juntos e sempre no teu ritmo andamos, corremos, brincamos, amamos, dormimos, enfim, dançamos a vida.
Entretanto, certo dia, caminhando para evitar a violência do sedentarismo, senti que me faltava ar. Aquilo, que sempre fiz inconsciente, naquele momento, quis fazer consciente, mas a respiração não se fez. Cadê oxigênio, que é isso coração?
Não sei quem começou primeiro se fui eu a não respirar ou tu a claudicares no teu ritmo. Como a gratidão sempre esteve presente nessa nossa caminhada, aproveitei para mais uma vez agradecer teu pulsar, meu viver. Mas, como todos, julgo eu, quererem prorrogar o baile da vida, comigo não foi diferente.
Do mesmo jeitinho que fazia quando os músicos anunciavam a última música, o último valsar da noite, apesar de madrugada, apesar da exaustão dos músicos, insaciável, puxava o coro: que é isso músicos? Pelo menos mais três para terminar.
Desse mesmo jeitinho exclamei: “que é isso coração”!Pelo menos mais três anos para que possa terminar muita coisa por fazer...