Ideologias falidas

Fui comunista desde criança, na adolescência andava com a camisa do Che, gritava pro reforma agraria sem nunca ter pego em uma enxada e sem saber o significado de latifúndio, exalava rebeldia falando de direitos trabalhistas tendo alergia a graxa e chamava qualquer pessoa que não concordava comigo de reaça.

Depois dos vinte cinco me elitizei, não que eu quisesse, mas comecei a ganhar mais dinheiro do que meu pai e as velhas causas, que nunca foram minha realidade, ficaram para trás, afinal a pobreza não incomoda tanto visto de dentro de um carro caro.

Sendo assim achei que uma posição liberal combinava mais comigo, então assinei a Veja, adotei um discurso meritocratico, comecei a chamar mendigo de vagabundo, aliás esse passou a ser meu adjetivo favorito, cotista é vagabundo, estudante é vagabundo, manifestante é vagabundo, artista é vagabundo, quem recebe bolsa família não, pois esse é pior que vagabundo.

Deixei de ser liberal na minha primeira grande crise, meu banco faliu sem ajuda governamental, minha empresa perdeu mercado frente as estrangeira e fui trocado por um americano no emprego e por um cearense no casamento, deixando um déficit de alguns milhares no primeiro e um cianureto no fundo do armário no segundo.

Dei um foda-se para o estado o mínimo, para a meritocracia e para o livre mercado, sem rumo decidi virar um vagabundo. Viajei o Brasil de carona, tomei banho de rio pelado, fiz sexo de graça, pagando e até recebendo, escrevi um On the road meu, que ficou uma bosta, usei mais droga que nos tempos de comunista, criei um lema (Quem nunca cagou no mato não viveu) e dava risada dos crentes.

Mas a verdade é que quando a situação apertava e passa o cartão de crédito, nunca vendi meu carro e nem me joguei fora meus ternos e apesar de parecer maluco eu continuava careta, sendo tudo apena uma fantasia muito bem vestida. Só me desfiz mesmo dos bens matérias quando o pastor abriu a porta dos céus para mim, e acabei virando crente.

Pregava o amor ao mesmo tempo que odiava, vi o pastor falar de desapego dos bens matérias usando relógio de ouro, virei moralista mas as vezes ainda fumava maconha, falava de Jesus e as vezes participava de um linchamento.

Por fim em um belo dia morri, deixando de herança para meus filhos a camisa do Che, o cianureto, o manuscrito do meu On the road, um terço e uma péssima lembrança de pai.

Gabriel Bem
Enviado por Gabriel Bem em 12/01/2015
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