Amor na manhã

Eram nove horas da manhã para quem acordara. O sol golfava colunas de luz. Aquela figura pouco pensativa, uma figura dupla, um casal de namorados que passava na rua do cata-vento, mudos. Não há quem negue, ao longe, que os beijos atravessados pela resignação dos olhos eram altos, os danados, francamente calados. Todos viram... Há quem negue que a manhã estava particularmente bonita. Se não houvesse o casal de namorados, se o resto do dia não buscasse a preciosidade do que é um destes, penso que esta conversa não abriria os dentes na pressa do mau hálito matutino: O estímulo de não cansar-se do que é da vista, do que é propriedade da vista: Amor, pois que é simples, matéria importantíssima para um sozinho.

Bebo da minha ferrugem. Tempo mesmo de lembrar do que era um susto, afim de novamente assustar-me. Uma manhã dessas que cheira a completa calmaria, o barulho apenas do vento espirrando no rosto de quem ao longe se queixa, o calor não é pra todo mundo! Mas a manhã,

afirmo, é calma.

Ah... Aquele maldito casal de namorados! Seria ele voltando enfezado pelo fim da rua? A moça corria na pressa da qual só ela partilhava, chorava horrores, esquecendo o verde que era das árvores, e eu sentia uma vontade de correr para a moça que corre, teria feito tal se o rapaz não estivesse a completando ao menos na pressa, berrava logo atrás da miudinha aquosa. A gente toda agora observa, os que voavam logo pousaram, os que parados estavam puseram-se prontos caso algo mais de estranho perturbasse o que era uma manifestação do tempo. Na altura do descanso, o rapaz esbravejava sem pausa. A moça chorava sem a mesma pausa, assim, na imaturidade avessa de seus olhos.

"Que o amor é isto, aquilo, é outro."

E os que de longe olhavam o todo como fosse um quadro impressionista (digo pelo som que não se ouvia) na abundância de luz, qualquer conversa tinham sobre o que, resistindo, acontecia. Algum lance francês derramado na geometria com que se firmava o ato, contos de quem ouvia o delírio dos animaizinhos e a reciprocidade da desordem não-sonora. Há no cerne de toda quebra uma dúvida que reverbera nos que antes refletiam-se, nos que de manhã acordam para a penetração da vida.

O pobre casal agora repartido, metades devidamente separadas, sumiu tristonho num canto opaco.

Mais nada de estranho na rua do cata-vento. Um clarão que era de costume permanecia parado onde sempre estivera. O que não viram no meio da traquinagem dessa manhã emoldurada, foi a

sombra do cachorro de rua que mijava imponente no poste aquecido pelo sol. Um fato solar! Amável como qualquer fato que acontece naquele momento do dia, no borbulha humano

que fofoca o que há de formigar na carne de seus corpos.

Um pardal passou pela tormenta, somente ouviu o que ecoava na altura daquela conversa, sussurrava o que tirou do falatório:

"O amor é coisa de gente silenciosa"

Heitor de Lima
Enviado por Heitor de Lima em 03/01/2015
Reeditado em 05/01/2015
Código do texto: T5089797
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