Águas que Correm ou "Lust for Life"
Amplos jardins do Novo Leblon. Mais ou menos 15h30. Maravilhosos jardins nem sempre muito frequentados por serem amplos. Num banco duas pessoas trocam carícias. Aproximando-nos mais um pouco, pudemos disfarçadamente observar beijos apaixonados. Afagos nas mãos, nos braços, nos peitos de um dos enamorados. Que são dois rapazes.
Ao nos perceberem em nosso passeio não tanto habitual com a cachorra, tornam-se mais comedidos. Enquanto procuramo-nos afastar discretamente. Esperando que tenham intuído que nada temos com isso.
Porque nada podemos ter contra algo que se torna cada vez mais habitual e menos velado. E que na verdade sempre existiu. Às escondidas.
No meio disso, certos políticos com tendências reacionárias, bolsonarianas, ou “religiosos” mais radicais, apressam-se em condenar relacionamentos desse tipo. Chegando mesmo, em alguns casos, a considerar como criminosas essas pessoas. Esquecendo-se de que podemos ter ali um educador, um médico, um militar, um jurista, um cientista, um torturador, um empacotador de supermercado, uma pessoa com todas as potencialidades que qualquer um tem. Excelentes profissionais ou profissionais não tão excelentes. Um não, os dois.
No filme Trainspotting, de 1995, portanto há 19 anos, já observávamos a menção ao fato de que no futuro não teríamos distinção de sexos. Mais adiante ainda, pode ser até que ocorra uma inversão. E as relações heterossexuais sejam consideradas a extravagância. Ou o que deva ser condenado ou, pelo menos, combatido.
Não que desejemos ser interpretados como moderninhos ou algo vanguardistas no nosso atual e confortável padrão homem/mulher. Mas por que insistimos em querer que as águas não percorram os seus caminhos? Nem sempre vamos poder represa-las. Devemos nos dar por satisfeitos se pudermos contar com elas para a sempre desejável constituição dos nossos corpos hídricos. O que já não começa a acontecer com a mesma abundância.
Rio, 22/10/2014