O rato
A família acabara de voltar da Disney. Acabara, aliás, era um vocábulo bastante apropriado para a situação. Acabara o dinheiro, acabara o limite do cartão, acabara a perna da mulher, acabara a paciência do marido.
Mas era uma família feliz, como são as famílias que acabam de voltar da Disney. Marido com camisa de jacarezinho, mãe com bolsa de grife, filho com iPhone, filhinha com orelhas postiças da Minnie.
O portão elétrico da garagem mal acabara sua sina horizontal quando a mãe gritou escandalizada:
- Um rato!
- O Mickey? Gritou em êxtase a filha de três anos.
- Não, um rato nojento e sujo.
- Não fala assim da família do Mickey, mãe.
- Todos os ratos são sujos, Lara.
- O Mickey e a Minnie não são sujos mãe, bradou chorosa, enquanto apertava contra o peito seu Mickey de pelúcia.
Definitivamente, após enfrentar doze dias de parques, cinco outlets, nove horas de voo, três horas no free shop e duas horas na alfândega da Polícia Federal, tudo que Ricardo não queria era enfrentar qualquer tipo de problema ao chegar em casa.
- Vai lá Ricardo e enfrenta essa situação! Você é um homem ou um rato?
- O que quer que eu faça?
- Mata a merda do rato !
- Merda não é palavrão mãe?
- Não mata o ratinho, coitado, pode ser parente do Mickey…
- O Mickey mora na Disney Lara, aqui no Brasil os ratos não prestam.
- Mata ele logo Ricardo, deixa de ser frouxo.
- Como eu vou matar esse rato?
- Se vira, pega o celular do seu filho e digita no Google “como matar um ratinho”. Mas que homem medroso. Chuta, morde, assusta, deleta, mas some com a droga desse rato da minha casa agora! (já completamente histérica).
- Péra aí que vou trocar meu tênis, não vai querer que eu suje meu tênis do “áutchi létchi” com sangue de rato, né?
- Antes sangue de rato do que esse seu sangue de barata!
Mulher e filhos trancados no carro, o marido começa a empreita de dar cabo do rato, munido de vassoura, espeto de churrasco e tênis surrado.
Quarenta minutos depois, volta ao carro desolado, desmilinguido e com a camisa ensopada de suor. Até o jacarezinho já estava com a língua de fora.
Lamentando amargamente não terem passado as férias no sítio, Ricardo resolve dormir com a família num hotel próximo, até que a casa fosse dedetizada.
Radiante mesmo ficou Lara, ao saber que o aprendiz de Mickey dera um baile no Pateta do seu pai, e então dormiu aliviada abraçada ao seu Mickey de pelúcia, na certeza de que na sua Patópolis infantil, os ratos ainda são os heróis do fim da história.