Farsantes

Somos todos farsantes. Surrados canastrões fazendo quaisquer malabarismos por mirrados tostões. Se nos pedem bis, entramos em parafuso, pois atuamos sem roteiro, improvisando cada respirada, cada batida do coração. Aguardamos os aplausos com a mesma melancolia dos pierrôs toscos que nunca encaçapam sua colombina. Somos peças de um dominó corroído pelas cotoveladas aflitas dessa gordas com seus chapéus majestosos botando panca sem nunca perder a pose. Se nos perguntarem as horas, viramos a cabeça com desdém. Então nos valemos das sonatas ainda tímidas dos bordéis fétidos que foram nossas amas-secas por anos a fio. Se pudermos esquecer quem bateu à porta ou nos sapecou aqueles beijos desfalcados e ásperos, vamos morrer por instantes e depois viremos à tona mais limpos e vingados. Tudo foi bonito enquanto se fez nosso. Mas agora, caro Mané, não se faça mais refém e assuma sua voz. Seja forte ao ponto de enfrentar seus suores tardios e suas lágrimas que tanto encharquei. Vamos juntos nessa mão única até o porto dos nossos sonhos. Vamos juntos fazer desse chão uma realeza e dessa flor o nosso ultimato. Quisera te dizer muito mais, mas já tocou o terceiro sinal e sinto que a plateia se impacienta. Assim que as cortinas abrirem, pode esquecer suas chagas e votos podres. Pode esquecer que um dia nos fizemos farinha do mesmo pomar. Até a hora dos aplausos, serei só eu e você em cena - e nada nem ninguém mais. Acho que hoje vamos arrasar e levar o público ao delírio. Queira Deus que o terceiro ato não acabe nunca. Se as cortinas fecharem de novo, meu coração empaca e se agrutará para sempre.

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Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 05/12/2014
Código do texto: T5059291
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