Sujeira

Tamanha era a raiva.

Propositalmente, com as palmas das mãos escoradas na parede, batia sua cabeça contra o concreto liso e verde.

Aos poucos trincava o crânio.

Não gritou ou esboçou qualquer sofrimento.

A dor de se perder de si mesmo era maior.

Era necessário.

Seria inviável se abster diante do vazio provocado.

De um modo quase que delicado e sutil, enfiou as pontas dos dedos entre a fenda formada, devido ao estrago provocado pelo traumatismo.

Jurou a si mesmo mudar.

Mentir era parte essencial no processo de expurgação.

Atormentado, puxou de uma só vez o cérebro pesado e de consistência pegajosa.

Levou-o até à pia da cozinha.

Pôs uma chaleira de água para ferver.

Enquanto isso, colocava desinfetante, sabão líquido ou detergente em cima da massa cinzenta.

Deveria haver alguma forma de limpar a consciência. De estar em paz.

Escutou o assobio da chaleira.

Água fervida.

Ao abrir a porta do armário, enxergou a peneira branca, a colocou sobre uma panela sem valor e com cuidado encaixou ali o que lhe restava de mais humano.

Logo que despejara o líquido fervido, começou escorrer um excremento de cores singulares, uma mistura de amarelo suco gástrico e cinza fuligem.

Uma chuva de maldade e frieza.

Embora tenha escoado muitas dores, arrependimentos, falsidade ou aflições.

O sangue tenha diluído.

A podridão e escárnio do ser fossem levados ralo abaixo.

As marcas ficam.

E com elas... bem, com elas a tempestade se aproxima.

jay marques
Enviado por jay marques em 24/11/2014
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