Sujeira
Tamanha era a raiva.
Propositalmente, com as palmas das mãos escoradas na parede, batia sua cabeça contra o concreto liso e verde.
Aos poucos trincava o crânio.
Não gritou ou esboçou qualquer sofrimento.
A dor de se perder de si mesmo era maior.
Era necessário.
Seria inviável se abster diante do vazio provocado.
De um modo quase que delicado e sutil, enfiou as pontas dos dedos entre a fenda formada, devido ao estrago provocado pelo traumatismo.
Jurou a si mesmo mudar.
Mentir era parte essencial no processo de expurgação.
Atormentado, puxou de uma só vez o cérebro pesado e de consistência pegajosa.
Levou-o até à pia da cozinha.
Pôs uma chaleira de água para ferver.
Enquanto isso, colocava desinfetante, sabão líquido ou detergente em cima da massa cinzenta.
Deveria haver alguma forma de limpar a consciência. De estar em paz.
Escutou o assobio da chaleira.
Água fervida.
Ao abrir a porta do armário, enxergou a peneira branca, a colocou sobre uma panela sem valor e com cuidado encaixou ali o que lhe restava de mais humano.
Logo que despejara o líquido fervido, começou escorrer um excremento de cores singulares, uma mistura de amarelo suco gástrico e cinza fuligem.
Uma chuva de maldade e frieza.
Embora tenha escoado muitas dores, arrependimentos, falsidade ou aflições.
O sangue tenha diluído.
A podridão e escárnio do ser fossem levados ralo abaixo.
As marcas ficam.
E com elas... bem, com elas a tempestade se aproxima.