NATAL
- Ô de casa!
Gente simples é assim, sem cerimônia vai casa adentro. Ao abrir o portão amarrado com arame, passo a passo se encanta com o jardim cuidado, florido. Junto há também a horta, com canteiros fofos e hortaliças vistosas, de dar água na boca. Entrando mais um pouco se depara com o quintal varrido, apenas as folhas que caem das árvores enfeitam o chão. No galinheiro no canto do muro os animais partilham do espaço coletivo de forma harmoniosa. Dando mais um sinal de que estava perto, ele assovia como pássaro e entra na varanda. Varanda fresca, de chão batido, madeiras rústicas segurando as telhas de barro. Lá está ele à sua espera, como em todos os dias.
- Benção, vô!
- Que Jesus te ponha a bênção.
O avô, sentado na cadeira de madeira que ganhara em seu casamento, apoia os braços frágeis nos braços sólidos de madeira maciça. Coloca seus pés cansados no banquinho improvisado, acolchoado para não machucá-lo. Esperançoso à beira dos 90 anos, repousa seu olhar carinhoso sobre o neto que chega para a prosa do dia. Este se ajeita ao seu lado, segura a mão do avô com suas mãos ainda lisas e demora um pouco.
As gotas de água escorrem de folha em folha até o chão. Chove. E o clima mais frio denuncia o Natal. O Menino Jesus logo vai chegar para abrandar ainda mais os corações. O avô, imóvel, não almeja mais nada além daquele momento. E vive intensamente a vida que se vai.
- Bolo de fubá, meu filho?
O neto só agora deixa a mão do avô e vai até a cozinha cortar um pedaço de bolo. No prato esmaltado ilustrado florido, coloca dois pedaços finos e volta para a varanda. Não notam passar o tempo, nem mesmo trocam muitas palavras, mas o neto, vagarosamente, amassa o bolo com a mão e alimenta o avô que tanto o alimentou.
O Natal não tem um verdadeiro sentido, mas há o verdadeiro Natal. É nascimento de atitudes nobres geradas pelos sentimentos cotidianos. É a fé em dias melhores, já trabalhada incessantemente. É mudança de vida, da primeira à última hora. É o respeito ao semelhante que nos deu o melhor. É o amor ao próximo, construído em nós mesmos.
O neto faz com que cada dia do avô seja especial. Mas o Natal para eles é diferente, no seu real sentido. Se desligam por um tempo dos anseios do mundo e se concentram, juntos, nos anseios de Deus. O neto retira do bolso uma pequena bíblia e um terço de Lágrimas de Nossa Senhora emendadas com fino cordão. De mãos dadas, suave toque demostrando cumplicidade entre eles, fazem o Nome do Pai e fortalecem um ao outro em fervorosa oração. Dedicam a sublime prece, hoje, ao menino da manjedoura, e suplicam ao mundo, paz.
Eles passam horas proseando conversas da roça, daquele tempo em que o avô ceava na vila adiante. Hoje, acamado, comemora ali mesmo, do jeito que pode, sem reclamar. Relembra como era boa àquela época em que não havia para ele, limites físicos, e que podia, como vento, rodar todo aquele lugar. O neto ouve as histórias repetidas e gaguejadas, por causa da idade, com toda a atenção que muitos não sabiam lhe dar. Aprende lições de vida com o avô que não encontraria em outro lugar.
- Prá dentro!
A ordem do avô efetiva a noite que se inicia e finaliza a visita do neto. Com calma e devagar leva o avô casa adentro, com paciência infinita. Passo após passo testam seus próprios limites, o avô e o neto. Deita o avô na cama, ajeita o travesseiro, cobre com a coberta passada a ferro de brasa, antigo hábito. Procuram a melhor posição para passar a noite. No criado, um copo e pouco de água fresca no pote de barro. A sala ilumina o quarto pela luz da lamparina que o avô não abandona.
- Bênção vô!
- Que o Menino Jesus te acompanha!
O Natal estava completo para o neto. A cada passo na saída, o coração batia forte de felicidade por ter amado o avô a cada instante que passaram juntos, naquela tarde. Não esperava presentes, não queria mesa farta. O neto somente queria o avô por mais um ano presente no Natal, para que juntos, possam rezar o terço, que para eles, representa verdadeira fé que é digna de receber o Menino Jesus em seus corações.