O quarto sem luz
- É duro fechar a cortina do meu quarto, todo santo dia!
- Droga...
Lá fora, há gente indo trabalhar, pegar o ônibus para escola ou ir às consultas semanais do geriatra. Cães latem ao passo que algumas crianças gritam ao tio da Kombi que as esperem.
- É duro escurecer um novo dia...
Suspira e então fecha os olhos para se encontrar - Essa vida tá presa em um maldito looping! O que me tornei? - Indaga e afoga-se no silêncio da insatisfação.
- Enxergo os detalhes de toda essa porra, cara! Eu tô vivendo essa merda diariamente, mensalmente, etc... Essa "coisa" me impede de viver algo diferente, parece subtrair minha vitalidade e sede por movimento. Afinal, o que estou dizendo? Estou falando sozinho, comigo mesmo num quarto vazio.
Rotina, compromissos e imprevistos aprisionam gente lá fora.
- Todos sons criam uma orquestra esquizofrênica nesta cidade, nessa rua, na minha cabeça. É difícil equalizar o que não pára. Suavizar uma britadeira. É pulsante, corrói...
- Ainda não consigo acreditar! Morro e renasço. Pego outra condução e caio na cama. Movimento... - Balbucia flashes cotidianos.
Quase oito horas da manhã. Dia frio de primavera, uma mistura de nuvens, cujas colorações variam entre cinzas de cigarro e azul-marinho desbotado. O ar frio, o qual penetra narinas desavisadas, congela corpos recém despertos. Parecem cadáveres trajados de maneiras inusitadas e até mesmo engraçadas, devido excentricidade em certos estilos. Personagens, coadjuvantes...
- Bela merda de reflexão, se me encontro aqui, hoje, sempre. Enxergo tudo à minha volta e nada está certo, porém faz sentido. É estranho isso, por mais que soe contraditório, não sou como eles... Essa coisa não pode me dominar ou regular minha vida, repito exaustivamente meus dias, mas sei onde estou, o que sou, ainda entra luz por alguma fresta...
O cansaço e estresse tomam conta do seu corpo. Apesar de estar com fones de ouvido, ao mesmo tempo que digita e conversa mentalmente com seus outros "eus" o sono invade seus instantes de lucidez. Daqui horas o despertador do celular tocará sua canção preferida, de modo a falsificar e frear suas ânsias, aflições ou preocupações e que para assim seu dia (já noite) valha à pena, seja alegre e lhe forneça forças para fabricar cada sorriso infectado por transgênicos sociais.
Afinal, quem está livre?