O tempo, a distância e o pão de sal
São muitas as inverdades que o presente esconde. Mas o tempo as revela. Desde cedo, vendo aquelas atrizes da televisão que pareciam não envelhecer nunca, eu, como tantas garotas da minha idade, sonhava em ser como uma delas. Não no seu modo literal de ser, mas queria apenas envelhecer com aquela mesma pele dos quinze, que todas elas tinham. Naquela idade, não passava pela minha cabeça que maquiagem e efeitos especiais existiam. O que sabia era que eram lindas e permaneciam congeladas no tempo, assim como eu queria ser quando crescesse.
E cresci e não sou nenhuma delas. Nem tenho aquela pele de boneca ou aquele corpo escultural. Mas fui descobrindo aquela falácia aos poucos, ao mesmo tempo em que crescia. Encarar a realidade não é fácil. Mesmo as pequenas realidades. Mesmo aquelas que não fazem parte diretamente da nossa vida. Nesse caso, ao perceber que tudo era irreal, mesmo sendo apenas a representação de um sonho infantil, consegui começar a desvendar outras realidades escondidas e camufladas.
Como por exemplo, a distância. A distância ficou mais curta depois que cresci. Como em um toque de mágica. Desde que nasci até completar minha primeira infância fui criada em um campo experimental de plantação de soja e milho. Era um ambiente gigantesco, com muito espaço e poucos vizinhos. Jardins, gramados, campos, plantações e muitas plantações fazem parte das fotografias registradas em minha memória. Eu, que já era, de certa forma acostumada com ambientes gigantescos, não me acostumava com a distância da minha casa até a cidade. Era uma eternidade. Uma viagem que, às vezes parecia durar horas. Nós, de tempo em tempo, chegávamos à cidade; mas as coisas da cidade não chegavam tão facilmente naquele lugarejo.
Um fato que sempre me deixou encantada de lembrar era sobre o pão de sal. Lá onde morávamos, era hábito fazer fatias suculentas e recheadas porque era um processo manual e comunitário. Estávamos tão acostumados com aquilo que de vez em quando queríamos um paladar diferente. Era combinado que, sempre que alguma família ia à cidade, deveria trazer pão de sal. Um saco cheio para todos ali. Era uma festa. Iam de casa em casa distribuindo o pão como se fosse um produto de outro país. E eu, mais que ninguém, gostava tanto daquele sabor diferente, perfumado, industrializado que mal esperava ser servida para degustar a raridade. Sempre me perguntava por que a cidade era tão distante a ponto de que alguém precisasse fazer uma viagem até lá para trazer pão de sal.
Fui entendendo também sobre a distância e sobre o pão de sal. Em primeiro lugar, a distância nunca foi distante como eu imaginava. Hoje sou capaz de visitar aquele lugar à pé, sem me cansar demasiadamente. O tempo foi vil com relação a isso. O tempo passa para nós e nós passamos a ver as coisas por outro ângulo. Quando criança tinha uma visão mais horizontal, deixava meu olhar passear naquela paisagem, ao longe. Hoje, tenho um olhar verticalizado, e tento, compulsoriamente, experimentá-lo de novo, à visão panorâmica do horizonte. É um exercício diário e repetitivo. Olhar para cima e para baixo, infelizmente, é uma das coisas que a cidade nos ensina bem e aprendemos rapidamente. Mas vou chegar lá.
Sobre o pão de sal, não tem mais o mesmo gosto como os da minha infância. Na verdade, vivendo em um ritmo tão frenético, de certa forma tentamos compensar esse compasso nos remetendo aos prazeres possíveis de serem trazidos do passado. Aquela fatia tão apetitosa que eu já estava acostumada e muitas vezes ignorava, hoje é tão valorizada e desejada. A fatia é um pretexto. Fatia tem que se comer devagar, não é como comer pão de sal. Então, ao escolher uma fatia bonita, estamos escolhendo também o tempo que nos faz tanta falta. O tempo para dialogar, fazer uma boa leitura ou apenas ver o próprio tempo passar, degustando a raridade de hoje. Também aprendi tudo isso com o passar da idade. Penso como tudo seria se conhecesse essas verdades desde criança.
E vou com o tempo me lembrando de todas essas vivências e ouvindo as que o próprio tempo me fez esquecer. Cenários panorâmicos que deixaram saudade. Mesmo que eu adquira, novamente, a capacidade de ver ao longe a distância que me separava da cidade, nunca será igual ao que vivi na infância. Apesar das verdades descobertas e das inverdades reveladas, apesar de saber sobre a distância e hoje preferir a fatia ao pão de sal, almejo aquela vida em que a realidade era o que se via. Naquela época, sentada ao pé da sapucaia, em tempos em que o tempo era um grande amigo, vislumbrava a estrada que hoje quero voltar.