O  DUELO.                             2
                              
                                  “O duelo é como uma pequena guerra e tão                                    estúpido quanto esta."
                                    (do autor)
                                  
Um dia teria que acontecer! A dúvida era quando.
Como as paredes têm ouvidos (e muito mais na favela, onde elas são quase inexistentes), e mesmo sendo o último, o Altamiro pegou no ar o bafo maldoso da maledicência... e ele não cheirava nada bem!
Foi na biboca do Serafim (aquele que de anjo só tem o nome), que, aliás, merece registro especial nesta crônica, pelo que a interrompo um momentinho.
Serafim chegou ao morro com uma mão na frente e outra atrás, literalmente, pois estava quase nu!
Sem eira nem beira, apelou para os santos do candomblé e, com aquele jeitinho bem carioca, encontrou um cantinho vago, meteu ali uma tauba como parteleira e outra como balcão e se dispôs a vender a mercadoria que jamais é rejeitada; batida de limão!
A sorte – ou a silenciosa, mas forte presença de algum Orixá, o pegou pela mão e ele encontrou a mistura perfeita.  Vendeu como banana!
Dai pra frente foi só progresso e ele, envergonhando o nome, praticou diversas falcatruas; batizou seus produtos com nomes inconfessáveis, adulterou suas fórmulas, acrescentando  complementos até então só de uso das feiticeiras da literatura...e foi ganhando dinheiro, até fundar seu “estabelecimento”, mesmo sem a indispensável licença.
Dito isto, voltemos ao Altamiro e aos boatos, que a bem da verdade, não tinham nada de.
- Oi, Arlindo, senta aí e vamos prosear – murmura o Altamiro, com estudada calma.
- Cum você num dá, cara; num intendo metade do seu papo! – retruca o rubro-negro, já na defensiva.
- Mas esse eu tenho certeza que você vai entender direitinho, pois não estou a fim de contestações pueris.
- vendo só, já cumeçô!
- Não, Arlindo, vai começar é agora.  Estão murmurando nas cercanias que você esteve rondando  minha residência, enquanto eu cumpria o dever cívico de esclarecer a plebe rude quanto às vãs promessas das classes dominantes, escravagistas e selvagemente capitalistas. É verdade?
- Tirante tudo que eu não intendi, se você quis dizê se eu passei na sua casa,  intão é verdade!
- Ah, é? -vociferou o Altamiro, roxo que nem uma berinjela e com aquele horroroso bigodinho subindo e descendo -  E o que você, seu flamenguista miserável, foi fazer lá?
- Ué, cara, a rua é púbrica, sabia não? ( afastando a garrafa da mão do Miro.)
- É pública, seu analfabeto, mas quem deambula sobre ela tem um destino, uma razão, um intento.  Então, qual era o seu?
- Tava  só passano, amizade, mas me deu uma sede...
- Sim, e daí?
- Bati na sua porta, preguntei por você e pedi pra Edileuza, sua sinhora, me um copo dalga e ela, como prefeita dama, satisfez os meu desejo, me atendeu (sorriso disfarçado). Bebi a alga e me mandei despressinha.
- Se foi assim, nojento, fico mais tranquilo e canto loas à minha patroa, que, afinal, cumpriu o dever sagrado de atender a um miserável peregrino.
Estamos conversados, escória, e - pra encerrar- só quero dizer  que tenho uma camisa igualzinha a que você está usando.
- É, mermo? finalizou o Arlindo, olhando súplice para o céu e, instintivamente, apertando a medalhinha de S.Jorge pendente do seu peito.
 
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(dedicada a todos os  amantes, que, afinal, são responsáveis pela dinâmica e colorido desta vida)
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paulo rego
Enviado por paulo rego em 14/11/2014
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