A Visita que não ia...
Chegou quando o dia ia alto, ardendo as costas. Chegou inconvenientemente... Os moradores da casa deram, cada um a seu modo, uma desculpa esfarrapada e deixaram o irmão mais novo pageando a visita. Era uma mulher faladeira demais - e folgada.
Chegou, chamou a mulher mais velha de sogra e sentou no sofá, disfarçada de timidez aparente e poucas horas. Seria o menino inocente ou burro?!? Pouco importa! Verdade é que a visita foi ficando, ficando....
Tirou as botas. Mexeu cada dedinho cuidadosamente, como que se certificando se cada um deles estava realmente lá. A menina estava trancada no quarto, escutando....
Um beijo leve. Um beijo mais forte. Risadas estardalhadas... Risadas enormes. Chegou a sentir a cara de bobo do irmão, sentado na sala, mas mentiu que estava dormindo.. Eram, supostamente amigas. Suspirou. Afinal, seriam mais que alguns segundos?
Começou a roer as unhas nervosamente. O casal se beijava com maior furor, ouvia tudo. Ninguém perguntava por ela. Ousou pensar em sair incógnita pela janela da casa alheia... Mil peripécias se moldavam à cabeça agoniada.
Vendo futebol?!? Não acredito! O casal estava vendo futebol...que raiva! Um jogo dura pelo menos 90 minutos... E acaba de começar... Affe... Rosnou qualquer porcaria das irmãs que praguejam contra as cunhadas. Teve muita raiva da calma do socó diante da usurpadora de liberdade.
Domingo é dia de andar de pijama e despenteada - pensou. E com essa zinha aí.. como é que eu passo pro banheiro? A casa era minúscula... projetada pra pouca gente. Odiava visitas, sempre fora enfática nesse sentido. E a visita ia.... conversa longa.. Beijos estupendos.. olhos estupefatos...A visita não ia!!!
O escuro foi chegando como a visita, manso... A noite alta.. o sono chegando.. a visita, mansa... mansa, mansa.. numa liberdade transparente que ninguém conhecia... Colocou os pés na mesinha da sala. Atraiu a atenção do besta para si e fingiu que o tempo era ínfimo detalhe.
As horas se emendavam. A menina, desesperada, já havia roído todos os dedos das mãos. As unhas todas se acabaram. Os cabelos começaram a se arrancar, fio por fio, numa impaciência de dar dó... A porta se abriu, em um solavanco indecente e invasivo. Entraram no quarto.. disseram "oi". Ela, encolerizada, apenas sorriu, maquiavélica.
A visita nem assim se distraiu. “Está nervosa?" Alfinetadas. Fuzilou a quase-amiga tão profundamente que o irmão dissimulou uma tosse pro barulho da raiva não chegar aos pulmões da visitante. Colocou vassoura atrás da porta, praguejuou em silêncio... Nada.
Então, de fininho, saiu empurrando a indecente perturbadora da privacidade porta a fora.. sem a menor delicadeza.... E sorriu, maquiavélica, prevendo maldades para a nova visita, que certamente, cedo ou tarde, viria...