Sim aos romances
Crônica
No último final de semana dois amigos, Adriano, um sujeito que, tal como eu, vive cheio de ideias tortas, e Sandro, um tipo de tamanha bondade que quase torna-se um espírito afetado aos olhos daqueles que não o conhecem, tentaram, sem sucesso, persuadir-me de que a leitura de grandes romances tornam-se obsoletas em nosso tempo. Aquele argumentou, valendo-se das ideias de Nietzsche, que ler este tipo de obra, ou melhor, que dedicar-se a elas, é abdicar de pensar e debruçar-se sobre os problemas e celeumas do nosso tempo. De acordo com Adriano, o intelectual resignado é quem recorre a leitura de romances. Sandro, por sua vez, no intento de desqualificar a leitura de romances, argumentou de modo menos rigoroso, uma vez que apenas mencionou o fato de o tempo hoje ser escasso para tal fim. Segundo este, seria o modo no qual vivemos hoje, seria o nosso comércio com o tempo hoje que desfavoreceria qualquer possibilidade de dedicar-nos a leitura dos grandes romances. Na sua opinião, contos ou novelas tudo bem, pois são mais curtas.
Obviamente que, como mencionei acima, não deixei-me levar por estes argumentos, uma vez que eles, a meu ver, na intenção de assegurar a importância da leitura de romances, são passíveis de ser desconstruídos, ou melhor, refutados.
Em primeiro lugar, afirmar que a não importância da leitura de romances hoje decorre do fato de que temos que nos dedicarmos a resolução, a reflexão dos problemas e das celeumas do nosso tempo não me parece convincente, uma vez que, suponho que os grandes mestres da literatura sempre o fizeram com a sua escrita, a literatura também se propõe a isso, de modo que ela nós possibilita enriquecer nosso intelecto com ideias, pressupostos e nós impele à ação de modificar a nós e o mundo. É mister dizer que quando, a critério de exemplo, Maupassant escreveu sobre o mal, sobre a avareza, sobre a ganância, sobre o vício, sobre a virtude etc. estava escrevendo sobre um mal, sobre uma avareza, sobre uma ganância, sobre vícios e virtudes que diferem das ideias que hoje temos deles e delas. Contudo, será que para nada serve as reflexões do escritor normando sobre estas questões, que foram feitas em um contexto bem distinto do nosso? De modo algum, pensar assim, a meu ver, é a mais alta tacanhice de espírito possível. Se pensarmos que aquilo que fora escrito, que fora pensando anteriormente possui pouco valor em nosso tempo, então, necessariamente, teríamos que abrir mão de escrever, pois, para além de querer resolver as questões prementes do nosso tempo, queremos sim com a escrita, com as nossas ideias, galgar, ou melhor, queremos sim influenciar no futuro.
Em segundo lugar, creditar a falta de tempo, ao modo como nos relacionamos com ele hoje a impossibilidade de nos dedicarmos à leitura de romances me parece algo demasiadamente tacanho. Digo mais, tal argumento, que é defendido por muitos e que vem adornado com algumas escusas reflexões, tem por único objetivo esconder aquilo que é, no que tange ao fazer intelectual, uma das marcas do intelectual contemporâneo: a indolência.
Rafael Oliveira, Florianópolis 2014.