POR QUE NINGUÉM QUERIA COMER O JORGE?

Vinda da capital, a professora Maria alugou uma casa em um bairro um tanto afastado do centro. Era meio-termo. Nem tanto zona rural, nem tanto zona urbana.

Com um quintal espaçoso foi aconselhada pelos amigos e vizinhos a criar galinhas. Não tinha muito tempo para tanto, mas acatou a ideia e aos poucos foi mantendo o galinheiro em plena atividade.

Não gostava de comer carne de galinha caipira. Nem tanto pelo sabor, mas pela ligação afetiva existente entre criador e criatura. Mas os ovos frescos serviam para muita coisa, entre elas para no preparo de suas guloseimas ricas em calorias e por isso, “engordantes”.

Auxiliada pelos filhos a produção se mantinha em constante evolução. Apenas um fator a deixava chateada.

O galo Jorge.

Um galo índio, de cristas avermelhadas e longas, anda pelo terreiro com ar de majestade. Era o único do pedaço, então pintava e bordava. De porte altivo, às vezes ciscava aqui e ali, outras vezes arrastava as asas para as suas súditas galináceas.

Além de cantar fora de hora, aquele galo não sabia distinguir um dia útil de um feriado ou dias de finais de semana.

Como despertador natural Jorge subia no muro, enfrente à janela da professora Maria e soltava o seu canto matutino. Em dias que não precisava acordar cedo par ir ao trabalho, aquilo era um tormento para a sua dona.

Mesmo prendendo o rei do terreiro em um cercado, o seu canto estridente ecoava pelas manhãs afora acordando a casa toda.

Depois de uma reunião democrática onde a matriarca tinha sempre a palavra final, ela decidiu junto ao grupo familiar dar um fim no Jorge. Poderiam dá-lo a alguém da vizinhança, mas isto apenas empurrava mais pra longe o problema e aumentava o exército dos galos madrugadores da vizinhança.

Mesmo contra o princípio da casa de não comer galinhas criadas em seu quintal, Jorge foi para a panela.

Carne dura, mas bem temperada, Jorge demorou um tempo na panela de pressão, mas, enfim, cedo ao calor do fogo. Posto na mesa para o almoço de domingo, Jorge foi preterido por outras misturas. Um simples ovo frito com orégano era melhor do que o Jorge.

Moradores e visitas se negavam a comer a carne do galo.

Da mesa para geladeira. Da geladeira para o microondas e dali para a mesa. Esta era a rotina do Jorge.

Ninguém queria comer o Jorge. Era como se ele fosse alguém da família. Até Totó, o cão de guarda, menosprezou a carne branca quando esta, em uma última tentativa para ser devorada, foi colocada em uma forma de fazer bolo dentro do seu canil.

De domingo até a terça-feira quando o caminhão do lixo passa pelo bairro, a casa estava em silêncio, família andava pela casa como que estivesse de luto.

Enfim, Jorge se foi.

Na manhã de quarta-feira a professora Maria não foi trabalhar. Perdeu a hora, alegara ela.

Jonas De Antino
Enviado por Jonas De Antino em 08/10/2014
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