Crônica de uma morte anunciada
O título deste texto é o mesmo de um livro do autor colombiano Gabriel Garcia Márquez, onde ele relata em uma reconstrução jornalística, o último dia de vida de Santiago, num quebra-cabeças envolvente cujas peças vão se encaixando pouco a pouco através da superposição das versões de testemunhas que estiveram próximas ao protagonista.
Imitei o título, pois, trato aqui de um assunto infame e delicado, que literariamente poderia se extinguir, ou poderia ao menos se entender, em uma crônica jornalística ou em uma falácia literária. Em sua obra, Gabriel fez.
Disse que nos anunciaram a morte desde o dia do nascimento, e mesmo assim não aprendemos a lhe dar com ela. Antes da vida ter início, nós sabemos o seu final. E durante este caminho, o que cabe a nós é aproveita-la da melhor maneira possível. Juntar todas as pedras que encontrarmos, e com elas construir um castelo. Ainda lembro de Machado de Assis, e tento entender essa lástima da vida: “Há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinho. Há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas!”
Mas, pergunto ao meu Deus, o mesmo de todos nós, e no meu questionamento, lembro-me de Renato Russo, que diz “É tão estranho, os bons morrem jovens”. Digo isso porque os bons e os jovens estão indo embora daqui, tão cedo que não nos da a chance de argumentar, e achar alguma explicação.
Partem desse mundo, chegam ao final de seus caminhos, sem mesmo querer. Acidentes, acasos, mortes não anunciadas, suicídios. É mesmo, tão estranho. Os noticiários nos confirmam o caos, e nos faz refletir sobre a vida.
Quem me dera se ainda pudesse dizer, em um segundo de conselheiro, às pessoas que partiram em momentos de loucura, eu citaria Mário Quintana: “Se as coisas são inatingíveis... ora! Não é motivo para não querê-las...Que tristes os caminhos, se não fora a presença distante das estrelas!”. Que triste as vidas senão as amarguras. Feliz, na verdade, é aquele que já teve a glória de chorar.
Não faço de meus dias, dias para se espelhar. Mas, como o mendigo da rua, eu tenho a minha história e sigo o caminho que escolhi. Não sei se o que faço é merecedor de algum lugar melhor, mas eu me atrevo a dizer que sou digno da vida que me foi dada. Eu a vivo intensamente, fortemente, literariamente. Mas, não sei o que me espera neste próximo segundo.
Assim como não sabiam as pessoas que se foram, em fatos noticiados nos últimos dias. Como o estudante que se afogou, o ciclista atropelado, a jovem e o delegado que se mataram, o trabalhador que foi assassinado, e tantos outros casos por aí. Não há de se entender. Nem a música mais bela ou a crônica escolhida. Nada há para decifrar. Mas, para viver bem, não pense na resposta. O final já foi anunciado.
A verdade é que pra mim o mundo seria todo ao contrário: os amores não habitariam o coração, pois um dia ele para. Por mim, os amores viveriam em almas, pois elas são eternas. Alias, quem disse que amores inacabáveis não existem? Basta admirar a chuva, antes de se encantar com o arco-íris.
Pense nisso!
Kallil Dib – jornalista
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