Boanerges e a Revolução dos Paulistas
Procurando no Google sobre a Guerra dos Canudos, trabalho escolar da neta e agora meu, acabei por lembrar-me do Boanerges, colega de serviço em São Paulo e as consequências da Revolução Paulista com a queda da Política do Café com Leite, e aproveitei a deixa para esta crônica.
A tal revolução deixo de comentar, pois o Google esta ai para isto mesmo, dê uns cliques lá ou se achegue a algum professor de história. Mas se prepare que é um negócio confuso, tem até um Getúlio perdido na Praça Julio Prestes. Somente vou adiantar dizendo que meu foco foi o confronto entre um cafezal paulista e as vacas mineiras lá naqueles tempos. Não sei se as vacas foram para o brejo ou se o cafezal ficou tomado de ferrugem, que isto é história. Só sei que fiquei em cima do muro, tomando uma “média” com pouco café, e que tem ligação com o colega como se verá.
Já o Boanerges era uma figura ímpar, colega no idos de 70, na OBM (Diretoria de Licitações) do FESB (Fomento Estadual de Saneamento Básico SP) hoje incorporado a SABESP. Ele na divisão de orçamento e eu na de editais. Se alguém precisar mando o currículo...
Nossas mesas eram lado a lado no fundo da sala. Éramos fumantes inveterados, ele ganhava disparado deste autor que fumava uma média de dois maços por dia. Às vezes dois e meio. Os enormes cinzeiros transbordando, eram sistematicamente esvaziados. Felizmente depois, o meu vício foi erradicado numa batalha impiedosa! O dele não estou sabendo.
Na época não havia estas restrições todas contra o fumo, os que não fumavam que se lixassem e na verdade acabavam mesmo era levando fumo e de rolo, como os ditos fumantes passivos. Pior, enquanto estávamos alvoroçados naquela labuta toda, puxando aquela fumaceira, o Osório, outro colega, como um Don Corleone, na maior cara de pau, inclinado na sua cadeira no canto da janela, calmamente nos observando, soltava a fumaça azulada aspirada do seu inseparável charuto. Assim, empesteando ainda mais o ambiente, mas, com a vantagem daquele cheiro agridoce. Ele, apesar da gordura, nunca terá um infarto por estresse, talvez quem sabe um câncer pelo mau hábito.
Para piorar tudo, não era possível abrir as janelas, pois estávamos na Av. Bernardino de Campos na sequencia da Av. Paulista, e o barulho do transito era ensurdecedor. Ainda por cima quando houve aquela epidemia de meningite, com todas aquelas ambulâncias de sirenes abertas, prá lá e pra cá. Ar condicionado nem pensar, a firma não tinha condições, serviço quase publico, além da sobrecarga da instalação elétrica. Também não ia resolver como bem sabem por experiência própria, circular o ar viciado de fumaça de cigarro.
Fumantes passivos eram mesmos os não fumantes naqueles ônibus nas viagens interestaduais noturnas de janelas fechadas, principalmente no inverno. O que se podia perceber quando um veiculo, no sentido contrario, iluminava com os faróis, a névoa densa interna. Haja nevoeiro! Só de olhar, já se começava a ter pigarro. Pior era na chegada com a roupa impregnada, não tinha jeito de esconder que fumava até às escondidas. O não fumante, principalmente aquele que largou, tem olfato mais apurado que cão danado.
A par do cigarro, o Boanerges era um fã incondicional dos cavalinhos do Jockey Clube (o World parece que não gosta de turfe, não quer nem saber deste Jockey) sendo um frequentador assíduo e entendedor do assunto. Antes de começar o dia de trabalho, consultava a coluna especializada do Estadão, preparando minuciosamente sua estratégica da fezinha noturna nos equinos. Isto sem tomar conhecimento do chefe lhe espreitando.
Não sei não, parece que era só hobby mesmo, nunca fiquei sabendo se ganhou alguma quantia significativa, talvez somente uns trocados para sustentar seu outro vício, este sim, doce. Apreciava tudo que levava açúcar que nem formiga e não se ligava muito nos salgados. E olha que era magérrimo, talvez devido a alimentar-se pouco e ao cigarro que compensava. Era divertido vê-lo apreciando uma açucarada guloseima.
De vez em quanto, me cobrava sendo mineiro, uma enorme divida nossa de longa data com sua família paulista. Na tal Revolução acima citada, para infortúnio deles, seu cafezal em São João da Boa Vista, foi palco de uma ferrenha batalha entre os beligerantes mineiros e paulistas. De vez em quanto, nós avançávamos com tanto ímpeto que eles tinham que recuar, mas nem tanto, se reagrupavam e cheios de brios, voltavam e contra-atacavam e assim foi àquela sanfona interminável em cima do cafezal que, ao termino do embate, ficou em terra arrasada ou cafezal devastado. Foi mesmo uma Batalha do Café com Leite e São João, de longe a perder de vista, nem com reza brava ajudou.
De minha parte, argumentava sermos responsáveis pela metade do prejuízo, visto que eles também avançavam sobre a plantação. Ele contra-argumentava que os invasores éramos nós. Mas tudo acabava com uma boa tragada no cachimbo da paz, ou melhor, no cigarro, depois de uns goles de cerveja apaziguadora.
E tem mais, era desligado como ele só. Sendo membro da Comissão de Julgamento de Licitações de Tubulações, era necessária sua presença na sessão de abertura dos envelopes dos concorrentes. De vez em quando, cadê o dito cujo? O horário da reunião se aproximando e nada dele. O Aurélio, secretário das atas, já apontando o lápis e se dirigindo para a sala, com o livro debaixo do braço. O chefe, José Unterperting, desesperado, andando de um lado para o outro já a ponto de adiar, chama o Topô, escriturário do Orçamento, para ir atrás. Este, que nem cavalo velho já acostumando com o trajeto, vai direto ao apartamento do esquecido que ficava no inicio da Av. Brigadeiro, perto da Rua Maria Paula, esmurrar a porta, acordando até a vizinhança.
E, no ultimo instante, quase na batida das horas, no apagar das luzes futebolísticas, aparecia com aquela cara inchada de sono, mas numa boa, nem dando bola para a confusão toda, muito menos para o chefe espumando. Não sabendo mesmo ao certo a que veio, ainda sonhando com os cavalinhos, ou melhor, recontando os seus saltos que de carneirinhos não queria saber...Não sei se pegava no sono na reunião, pois não participava, mas pela cara do chefe depois, parece que sim! Mas quando pegava no pesado era para valer, soltando fumaça por todos os lados naqueles orçamentos sem fim, que o diga seu chefe, o Mazzini fazendeiro no Pantanal do Mato Grosso do Sul.
Apesar de seu jeito bonachão, de Boanerges do nome, o único problema que tivemos foi quando apresentei meu convite de casamento para a turma, em 1972. Ficou mesmo uma fera, soltando fumaça que nem Maria Fumaça. Fez de tudo para que desistisse do ato insensato, quase me agarrando pelo colarinho, não fosse a turma do deixa disso. Desnecessário dizer que nem uma pífia lembrança me enviou, muito menos um telegrama como é de praxe.
Não sei o que se passou em sua vida amorosa, talvez alguma desilusão anterior ou dor de cotovelo como era moda na época, a Maísa cantora que o diga, o fato é que devia ser sério mesmo, pois nunca se abriu neste assunto. Mas, não é que tinha razão? Mas isto fica entre nós, não espalhem pelo amor dos meus filhinhos, como diz o Silvio Luiz...
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