Veneno na tuba

Recentemente tomei conhecimento do falecimento de um grande amigo e pessoa muito querida, alias carismática de todos do Colégio Coração de Jesus daqui de Varginha MG, nos idos de 1960; hoje Colégio Marista. Era o Antônio Terra, funcionário naquela época, cujo apelido era Veneno, carinhosamente lhe atribuído pelos alunos, talvez por ser atendente da cantina e mais, era quem engarrafava os refrigerantes de guaraná e sodinha, ali servidos. Não se soube de nenhum caso grave de intoxicação, assim, o apelido pode ser mais uma daquelas brincadeiras de estudantes. Mas ele aceitava com paciência de Jó.

Tempos depois foi professor emérito de português nos colégios da cidade e até fundou um time de futebol por aqui, mas ai já não gostava que usassem o apelido e ficava uma fera.

Aproveitávamos da sua bondade e nos intervalos, nos reuníamos na sua sala da engarrafadora, onde entre bons papos degustávamos gratuitamente dos refrigerantes e salgadinhos, ganhos na conversa evidentemente e sem que os irmãos soubessem lógico.

Além disto, era meu colega na Banda Marcial e na Fanfarra. Tanto numa quanto noutra, tocava o baixo, aquela tuba imensa que sempre vai no fim da corporação musical para não atrapalhar os demais instrumentos. Seu colega de instrumento era o Roberto Tortoriello, por sinal pai de um repórter da Band que esta sempre no ar. Já este que vos escreve, na banda o sax tenor e na fanfarra o bombardino. Parece que o Word não entende nada de instrumentos, pois não reconhece a palavra, mas pode incluí-la no seu dicionário que existe sim, segundo o Google!

Quando nas apresentações da banda com músicas clássicas, como "Cavalaria Ligeira" de Suppé e "O Guarani" de Carlos Gomes, ele pegava no pesado com um sax barítono, que nem cachimbo de gigante holandês. Somente se tocava sentado que o bicho até resvalava no piso.

Um fato interessante, motivo desta crônica, aconteceu quando nos apresentamos na inauguração da igreja da Usina de Açúcar da Maria de Brito em Três Pontas. Fomos muito bem tratados, nos enviaram inclusive um ônibus de turismo luxuoso com tetos panorâmicos laterais em ray-ban, era mesmo um luxo só. Melhor ainda foi o lanche, lá comemos do bom e do melhor, dos quitutes mineiros da terra do Milton Nascimento. Porém, alguns espertinhos, andaram surrupiando alguns talheres de lembrança, uma vergonha...

Após as solenidades, ficamos em um barranco elevado tocando para o pessoal que desfilava embaixo – tipo "footing", aquele gira-gira entorno da praça para paquera da galera. Nada muito estimulante numa plateia meio apática, mas ai aconteceu um fato inusitado com o Veneno tocando sua tuba.

Como me referi acima, aquele instrumento enorme que após dar voltas no peito sai com uma boca mais enorme ainda – denominada campânula - encima e pra frente. Pois bem, ele me reclamou que o instrumento não estava funcionando direito, o som não estava nada legal, saindo mesmo quadrado, talvez por falta de uma ante-Skol para subir e não descer redondo.

Colocamos no chão, que nem na ponta do pé dava para alcançar, e nada constando numa inspeção externa, resolvi verificar dentro da campânula e qual não foi minha surpresa e dele maior ainda, ao constatar que em seu interior estava acondicionada uma estante de partitura.

Ou ele deve ter esquecido ali ou alguém fez de sacanagem… Imaginem o esforço extra que estava fazendo para sair algum som...Sanado o problema, a melodia agradeceu, ele também, mas tenho certeza que a plateia nem percebeu.

Para os incrédulos de plantão, vou logo explicando que, estas estantes metálicas são desmontáveis e depois são acondicionadas numa sacola de tecido de brim, ficando um pacote bem compacto. Assim podem acreditar mesmo que não é conversa de músico não. Muito menos aquela estória do "Tem Gato na Tuba" miando! Já posso até imaginar a situação do felino, ensurdecido pelo barulho dos graves estridentes, na primeira nota em bravíssimo, sendo arremessado involuntariamente na plateia miando, com as garras atracando um incauto espectador.

Nota: “Tem Gato na Tuba” é uma música da Turma do Balão Mágico que em certo trecho dispara: “Porém, um dia, entrou um gato/ Na tuba do Serafim/ E o resultado dessa "melódica"/ Foi que a Tuba tocou assim:/ Bum Bum Bum ... MIAU”. Eu sei... coisinha horrorosa mesmo, mas as crianças gostavam naqueles tempos da onça...

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