O Rato Valente

A vida em República de Estudantes pode e deve ser divertida, mas tem seus percalços. Disto tenho certeza e para provar, vai um causo ai.

Já comentei em outra crônica sobre a íngreme e estreita escada de acesso a nossa República em Belo Horizonte nos anos 1964, pois bem, numa manhã, correndo para não perder a primeira aula na Escola de Engenharia, logo nos primeiros degraus, me deparei com um rato mal encarado de proporções alarmantes! Rabo idem. Pelo jeito, devia estar muito bem alimentado, o pelo acinzentado até reluzia em consequência da incidência dos suaves raios solares daquela manhã ensolarada, sutilmente permeando pela janela lateral do primeiro andar (só para florear, espichar um pouco e manter o suspense!).

Na impossibilidade de entabular alguma negociação, tentei pelo menos afugenta-lo amigavelmente para dar-me passagem, mas ele não quis conversa não arredando pé, apenas, certamente com raiva ou quem sabe, desdenhando, me arreganhou os dentes. Talvez querendo cobrar pedágio com queijo parmesão.

Na ânsia de sair, o ônibus já estava na volta do percurso nos altos do bairro Santo Antônio, só tive como solução, com um gesto acrobático, pular por cima dele. Mas não pense que se intimidou não, continuou firme me encarando lá do alto. Até me pareceu que estava com um sorriso cínico se gabando da valentia dele e de minha covardia.

O meu velho dizia que nestes casos de cinismo, o remédio é tomar Sal de Fruta, sei não como tomar tal providência no caso e convencê-lo a ingerir. Ainda mais devido à pressa em que me encontrava. O caso é que deixei o problema para o próximo incauto a sair, desejando-lhe melhor sorte com o poderoso roedor.

Não sei se ainda é assim, mas havia uma proliferação de ratos na região, principalmente nas proximidades da Escola de Aplicação ao lado da FAFI - UFMG, na Rua Carangola. Ao passar por lá, eles se espantavam e se movimentando, entre as folhas espalhadas pelo chão, até parecia o solo acinzentado se movendo. Uma vez contei sobre isto e por um bom tempo fui motivo de gozação, mas que parecia, parecia.

Imagine vocês então se tivesse contado, quando estive em Vitória ES pelos idos de 1964, de visita aos meus avos maternos que moravam na Rua Duarte Lemos; a proliferação de baratas que por lá constatei. No passeio em frente aos armazéns do cais do porto, à noite, tantas eram as baratas, à semelhança do caso dos ratos, que o chão também parecia se mover, agora de tom castanho... Pior, ao passar por lá, parecia estar-se usando sapatos de sapateado (aqueles de tachinhas metálicas) cada pisada um estalo: ckeck... cleck...Não tinha espaço vazio sobrando sem barata.

Tai uma boa ideia para a Dança dos Famosos: a dança do sapateado sapateando a barata num barato. Melhor seria usar o pé para acertar o alvo opulento do chato apresentador, cada vez mais mirrado. Parecendo uma pera de ponta cabeça com um rosto cadavérico, deste, foi-se a gordura e ficaram as pelancas. Depois do “Perdidos na Noite” da Band, ficou mesmo perdidaço (se não tem no dicionário do Word, tem no Google) perdendo toda a graça que estava não nele, mas nos seus ex-colegas Tatá e Escova, que parece foram sumariamente esquecidos pelo ingrato. O dito apresentava o programa com o bordão "espelho, espelho meu, existe algum programa pior do que o meu?” Programa não, mas apresentador sim, cada vez mais.

Agora na Globo, vai se escorado nos recursos da mesma e nas beldades dançarinas mostrando tudo o que tem, com aquele interminável: alguém oferece a alguém que nem quermesse de festa junina. Alguém mesmo, toda hora tropeça nos nomes dos ilustres desconhecidos dele e mais ainda do telespectador, pasmem, até pedindo a ajuda da produção. Este pobre coitado na frente da TV, perdido e já fora do ar, vai engolindo também a xaropada do blá blá interminável, como aquela do cunhado babando no sofá, vê se toca ...

Parece mesmo que a emissora está é pregando uma pegadinha no incauto telespectador, ainda mais depois do exaustivo Galvão gavião voando baixo que nem urubu malandro, naquele gira-gira interminável da F1. O infeliz só pode mesmo estar dormindo no sofá, embalado pelo ronco dos motores e sonhando com as dançarinas.

E não vem que não tem, às vezes sou obrigado a engolir também, no horário do lanche, quando a turma daqui não desliga a TV, mesmo sujeito a indigestão. Haja Sal de Fruta. Logo que posso me mando para um filme...

Pedindo escusas ao leitor por esta digressão televisiva intempestiva, afinal até o seu Amado, o Bem Amado baiano, sujeita o leitor àquelas indigestas receitas inseridas no texto; a crônica do rato com as baratas fica por aqui, mas, pense o leitor o que quiser a respeito, finalizo com a minha exclusiva frase de efeito, até já providenciei seu registro na Biblioteca Nacional; afinal, é fato que fatos são fatos de fato. Factum est.

Em tempo, a tal “digressão” já estava tentando utilizar num contexto apropriado há tempos. E mais, na dúvida, constatei também que contexto (contextus) é sinônimo de circunstância (bonito não?) e contesto é do verbo contestar (contestare); pelo que não contesto a palavra neste contexto. E chega de revisão...

____________________________________________________________

Leia este e os outros textos em: http://pauloazze.blogspot.com.br/