Do estilo do escritor
Alguns infelizes leitores tem me agraciado com sua atenção, lendo o que ando colocando por aqui. Dentre eles, destaco uma cara leitora que gentilmente teceu algumas palavras elogiosas, as quais muito agradeço. Priscila, em agradecimento lhe envio um abraço, um queijo e um pacote de rapadura. O abraço, mantenho; o queixo substituo por um beijo; já o pacote de rapadura, vou pensar em algo...
Pergunto-me se não estão curiosos sobre o meu estilo, há estilo não tenho não. Vou por ai sem lenço e sem documento, que nem o bom baiano. Gosto de inventar e vou explorando o inexplorado, explorando o leitor, quiçá aqueles inexplorados. Sentiu o drama? Rememorando os tempos de outrora que não voltam mais. Afinal, o passado passou passando, mas o passarei a limpo, mesmo que o leitor fique passado de espanto.
De vez em quando vou truncando o texto com informações, vezes ou outras, pertinentes ao assunto tratado. Afinal, se um certo autor muito famoso pelas bandas da Bahia (outro baiano), costuma colocar receitas no desenrolar da trama, por que um reles escritor não pode imitá-lo com simples citações. Tá certo e líquido que aquele cara é o cara, não um cara de pau como este cara que vos escreve, meu caro, desculpe, idem minha cara.
A este respeito, imagine leitor, numa cena tipo Psicose do Hit Sem Coque, num Hotel Bates de beira de estrada, um presumido assassino, adentrando furtivamente no banheiro, onde a incauta donzela, belíssima loura como sempre, está tomando uma relaxante e boa chuveirada, naquele box com aquela surrada cortina de plástico cheia de peixinhos na lagoa (ainda se usa esta coisa horrorosa). Para piorar, numa iluminação fantasmagórica, proporcionada por uma fraca, melhor bruxuleante lâmpada de 40 velas que de watt não tem nada. Com uma faca em riste, daquelas afiadíssimas de caça, dupla face da Tramontina de aço inox lógico (olha meus créditos pela inserção), se preparando para desfechar um golpe mortal, porém, “ai porem, é um caso diferente” (música de novo, "que passou por aqui") é intempestivamente interrompido pelo narrador e, pasmo, o leitor, quiçá até o assassino, se depara com uma deliciosa receita de Bolo de Aipim decorado com framboesas, com caldas de outras especiarias ....
Em suspense total, angustiado, coração a mil, quer mesmo é engolir o dito cujo o mais rápido possível, não o autor, mas o bolo. Mas este não tem nenhuma pressa não e dá-lhe a descrição do recipes (dá-lhe é estrangeirismo), extensa e pormenorizada relação de ingredientes e o modo de preparar, haja pagina! Mas deixa para o fim, as contraindicações, afinal, e se o leitor for alérgico a algum dos ingredientes, é melhor se precaver contra ações de perdas e danos que ninguém é de ferro e os casuísticos estão ai para isto mesmo; que nem urubu malandro na carniça. Tudo isto, mesmo que ele já tenha perdido um enorme tempo para degustar a receita, mesmo que com os olhos, de nada lhe adiantará, se for alérgico.
Será que agora vai? A trama, não a receita. Ledo engano. O leitor agora se depara com os créditos, não do bolo que já se foi, mas da Rede Globo. É infeliz, mudou de canal e nem percebeu, mas saberá das coisas no próximo capítulo. Como se diz, não sabe nada não, inocente (aliás, quem falou isto, se não se apresentar, vou me apropriar, achei D+). O jeito é rasgar logo o manuscrito se não estiver numa mídia eletrônica ou sapatear no CD, chutar o notebook, qualquer ação violenta é plenamente justificável, para o ensandecido leitor. Poupe o monitor que ao ser danificado pode poluir o ambiente, se for de tubo. Tenha calma, respire fundo, conte até dez e lembre-se: isto é politicamente correto...
Mas não fique triste não infeliz, para lhe compensar pela enorme perda de tempo despendido (de novo este gerúndio fora de moda, me disseram que é arcaico) neste terrível texto, lhe brindarei com um possível final, se é que tem ou terá, sei lá. Em novela tudo é possível, pois como dizia o matemático: o número de capítulos é diretamente proporcional ao nível de audiência (simples regra de três). Pior se ocorrer outros percalços, por exemplo, se um ator achou um trabalho melhor, como fazer teatro, ou a atriz ficar grávida por falta de preservativo, dá-se um jeito no personagem, adivinha como infeliz? Um lamentável acidente automobilístico é um deles, estão ficando ótimos no assunto. Melhor seria um acidente vascular, mais rápido e menos dispendioso, não requer dubles...E a trama tem que ser modificada às pressas, pobre autor...
Ai vai uma ideia que pode ser aproveitada pelo autor da novela, desde que sejam dados os devidos créditos a este que subscreve. Pelo jeito, o presumido agressor, era o namorado ou amante, tanto faz, da vítima e esta, no susto, e que susto, o confundiu com um assaltante e mandou bala; a frente, vou tentar explicar com que arma. Pronto, está armado o circo, o novelista agora poderá aproveitar do caso daquele corredor da África do Sul, se lembra infeliz, o velocista sem pernas, descaradamente sem eira nem beira.
Vai daí, os casuísticos, verdade que sem OAB que ator não deve ter, se envolvem nos embates nos tribunais fictícios, pedindo revogação de prisão preventiva, interpondo recursos intermináveis, tentando de todas as formas e meios, lícitos ou ilícitos, prorrogar o prazo do julgamento, quiçá da trama, apesar dos protestos do telespectador, ansioso para conhecer o desfecho. Vem daí alegações da defesa de que foi um infeliz engano, apesar de que a vítima fatal, aquela que veio a óbito, estava na realidade, tentando pregar uma peça na ré, “trolando” segundo o Youtube e os netos que já sabem de tudo; porém não conseguindo explicar como uma letal arma subaquática se encontrava no box do banheiro, para felicidade do promotor. Será mesmo que existe tal arma? E como foi parar lá? Lembrando que em ficção vale tudo, deixo por conta do leitor a explicação que não tenho...
Por hoje vou ficando por aqui, mas poupo o leitor de se defrontar com os longos créditos finais com aquela repetitiva música de fundo, aperta o Mute ai, infeliz, me preparando para o próximo capitulo, me aguardem que volto a infernizar os possíveis incautos leitores e ponto final. Arre-égua, como se dizia por aqui...
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